Trocas
Conto, por Valentina Silva Ferreira.
Tenho sonhos flamejados em mim. Antigos, novos, uns ainda por vir. Sonhos meus, ou que nem me pertencem - mas se são dela, são meus também! Por cada noite, um sonho. Ou pesadelo? (Nem sempre me recordo porque, entretanto, adormecemos os dois). E enquanto dormimos, ela aperta-me com os dedos cansados ou então ajeita-me ao seu corpo. Cheiro a pele e a gel de banho e a perfume suave; o aroma dela. No Inverno, deslizamos para dentro dos lençóis polares, dos cobertores e da colcha de penas de ganso e ficamos os dois, juntos quanto possível, aquecendo-nos mutuamente. Quanto mais a aqueço, mais calor ela me dá e essas noites - as de Inverno, digo - tornam-se assim, mais quentes que Agosto. Quando ela adoece, dão-lhe de beber uma mistela de aguardente com mel e deitamo-nos, abraçados, numa tentativa de cura. Ela tosse e eu sacudo com o movimento, ela transpira e eu bebo o suor da doença. No Verão, estendemo-nos na cama e admiramos as estrelas brilhantes. Por vezes, vamos até à varanda e ficamos a ver o gato da vizinha e ela fala sobre um gato que teve e que morreu. Acaba sempre por chorar e eu choro com ela porque somos praticamente um só. Nas noites de sexta-feira, sentamo-nos no sofá e vemos televisão, agarrados a uma taça de gelado de framboesa - o favorito dela, com raspas de chocolate branco - e de vez em quando, lá me calha um pingo de gelado e ela corre à cozinha para me limpar. E ela ri e eu rio e acabamos os dois estendidos no sofá a rir desalmadamente. Fazemos a limpeza à casa ao Sábado de manhã e à tarde, enquanto ela vai fazer as compras para encher o frigorífico já vazio, eu tomo banho e espero por ela. Somos felizes. Ou éramos. Já nem sei. É noite de Sábado e estou diante dela, com o vestuário aberto entre nós. Ela veste um cetim qualquer, preto com toques em vermelho. Ajeita o cabelo e pinta os lábios. A campainha toca e ela fecha-me cá dentro. Oiço a voz de um homem. Sinto beijos por entre respirações cortadas. O cetim que ela usa dá os suspiros que eu dei um dia. Alguém repousa na cama. É ela, com ele. E o cetim.
- Foste trocado, velho - diz-me o casaco de peles. E toda a roupa troça de mim.
- Foste trocado, velho - diz-me o casaco de peles. E toda a roupa troça de mim.
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Conto, por Valentina Silva Ferreira
Muito fofo esse conto, tão cheio de graça e delicadeza. Adorei Valentina. ^^
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirSimplesmente sutil.
Parabéns!
Ianê, Celly, José e outras 16 pessoas que gostaram do texto: OBRIGADAAA!
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