Na distância faz-se o amor
Conto, por Valentina Silva Ferreira.
Ela agita, energeticamente, os braços no ar, como se acenasse para quem chega, lá ao porto, nos grandes barcos internacionais. Ou então, como se tentasse afastar as gaivotas que sobrevoam as telhas quentes, mirando o pescado que arrebita as barbatanas fora do mar. Vestindo uma leve blusa branca, um número abaixo do seu tamanho, a rapariga esfrega os vidros - sabão, água fresca, sabão, água fresca - com afinco. A pele clara, levemente salpicada por sinais habituais de quem respira frequentemente o sol de praia e o vento salgado, amanteiga-se de um suor fininho e levemente perfumado. Sem qualquer armação que os prenda, os seios baloiçam-se com o movimento feroz dos braços e deles nasce um pescoço fino e comprido que termina num queixo redondinho, marcado por uma cova quase masculina mas terrivelmente sensual. Ele sossega as cortinas, correndo-as para um canto e instala-se na beira da cama, enfeitiçado pela imagem dela, no outro lado, abanando carnes, saia e cabelos ao som de uma melodia que ele não ouve mas que ela mastiga com os lábios e uma expressão de paz. De vez em quando, quando ela se lembra, os seus olhos azeitona batem nos seus e uma espécie de calmaria percorre a distância que os separa. Depois, no lapso de um segundo, as pestanas de cima tocam nas debaixo e o olhar quebra-se. Vê-la, por detrás da transparência do vidro, é quase como admirar os contornos do seu corpo rechonchudo sem roupa: apenas aquela pele que deve cheirar a leite, de tão branca, os pêlos ralos e negros que a adornam, os sinais que a marcam e aquela aura, aquela aura de pessoa boa, de mulher que venera o homem que a esposar. Dois sorrisos tímidos acariciam-se no ar e ele, ruborizado, desfez-se da roupa que o aperta. Era um risco que queria correr: se ela não fugisse, ficariam juntos para sempre. Os movimentos dos braços cessam; o sorriso menineiro fecha-se na sua cara; os cabelos deixam de correr ao sabor da brisa; o peito arqueja e a boca abre, mostrando uns dentes brancos e bem-feitos. Ele, visivelmente excitado, detém os movimentos da paixão e espera: ela sorri, eleva os braços, encosta os seios ao vidro e continua a esfregar. Ele suspira e retribui o riso - encaixa os olhos nas suas pernas, na curva dos joelhos, na celulite das coxas que se escondiam no tecido leve da saia, nas concavidades dos sovacos, do umbigo que, de vez em quando, aparecia, das bochechas gordas, das orelhas delicadas, dos cotovelos carnudos. De repente, a inocência de uma simples limpeza, transforma-se numa exibição quase obscena - ela bamboleava as ancas, sacudia as duas grandes bolas e contorcia aquela cintura em que apetecia agarrar e dobrá-la para trás, num qualquer passo de danças latinas. Ele ofegava, gemia, jogava frases e ela, por detrás daquela montra que parecia vender sexo, ajudava na conquista do prazer final. À espuma do sabão nos vidros - branca, dengosa e escorregadia - juntou-se o presente do orgasmo dele e, na ternura de um suspiro apaixonado, ele escondeu-se no quarto e ela recolheu o balde e fugiu para a cozinha.
Num espaço de um mês, ela entra na igreja, coberta de branco: virgem na sua feminilidade; puta nos olhos. E ele sorri no altar.
*
Créditos da imagem: Olhares.com
Vapor 2, por Priscila Tessarini
Muito bom, Valentina!
ResponderExcluirGostei muito. Sintético, enxuto, e uma descrição muito rica. Parabéns!
Tenha uma ótima semana.
Que beleza de conto cheia de detalhes, gostei muito.
ResponderExcluirConvido a conhecer meu blog , estou te seguindo, se gostares me siga também. Um abraço
Smareis!