Poemas de Agosto
Poemas, por Marcelo Sousa.
Este é um mês fadado ao desencontro, ou à espera do desencontro. É como se todos esperassem o pior e trabalhassem duro para ver isso acontecer, só pra poder colocar a culpa no destino, que todos os anos veste essa máscara cujo rosto traz tatuado na testa o nome AGOSTO.
Nigredo
E resta
sempre deste meu negrume
uma fresta, por onde o lume
dos meus olhos escapa.
E a réstia
de luz que chega a esta porta
(coágulo de vida engasgado na aorta)
em vão descobre o que o poema tapa.
Sorrir
Sorrir é um exercício matutino
como escovar os dentes, fazer a barba
e apertar o nó da gravata para enfrentar o dia.
Sorrir é a maldita rotina muscular
que me faz forte aos olhos dos outros
ainda que com ele eu engane a poucos.
Mas sorrio, e mantenho sorrisos diversos
para as mais diferentes ocasiões e eventos
que transcreverei aqui, mais tarde, sob enviesados versos.
Sorrio e vivo, ato contínuo mas sem vontade. A vida é bela.
O que tem mais calor, o Sol, sentado em seu trono há milhares de quilômetros
ou sua lembrança, que dentro de mim brilha mais que a maior das estrelas?
Ah… sorrir! Se me olhasses de repente, jurarias que meu riso é verdade.
Estranho pensar nisso, imaginar que há tantos anos vivo esta mentira.
Mas Deus é bom, mesmo em Sua divina maldade. Deus dá, mesmo quando tira!
Homo sum…
Meus gametas
seus profetas
meus planetas
seus poetas
minha caneta
suas teclas…
Minhas rimas
tuas ruínas
meu corpo
teu porto
meus sinos
tua sina
meu rubor
teu calor
minha vontade
tua maldade
meu céu
teu véu…
Palavras se encaixam
mas os corpos não.
É preciso ir mais baixoe fazer certa fricção!
Por quê?
Quanto te custa
uma pílula de angústia?
Que prazer insensato molha tua boca
enquanto essa saudade me sufoca?
Que estranho gozo é esse que te domina
enquanto eu choro miseráveis rimas?
Por que será que tua alma santa insiste
em me provar que Deus não existe?
Por que gasto tanto tempo tentando ser poeta
quando na verdade estou simplesmente ereto?
Por que tantas perguntas sem resposta?
Por que o que o corpo evita é o que o espírito mais gosta!
Subtexto
Algumas vezes o corpo diz versos tão precários
que fica difícil encontrar suas palavras em qualquer dicionário
e nessa hora seria um pecado mortal gritar, falar, sussurrar
aquilo que só precisa ser demonstrado em um olhar.
*
Créditos da imagem: Olhares.com
Gato Preto, por Fernando Guerreiro
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