Por um fio
Conto, por Valentina Silva Ferreira.
Toda a gente tem os seus fardos. Uns mais pesados que outros, é certo, mas não há vidinha neste mundo que não tenha de suportar um ou outro encargo. Cá em casa, a D. Constança aguenta as bebedeiras do marido. A Laura, a filha, tem o problema com a escola. O Tareco vive uma luta constante com as pulgas. E eu… bem, eu arco com este quadro que me mata segundo a segundo. Não lhe conheço o rosto. Apenas sei que pesa como o diabo.
Eu vivia descansado num rolo de corda, com os meus familiares, amigos e desconhecidos. Todos ali, de mão dada, a conviver diariamente. De vez em quando, a gaveta onde estávamos guardados era aberta e lá aparecia uma mão que nos pegava e cortava um bocado. O primeiro a ser levado foi o Cordelzito. Guinchou que nem um perdido. Coitado, era muito novo para essas andanças. Eu fui o quinto ou sexto. Tiraram-me para fora da gaveta e prenderam-me às argolinhas do quadro. A ver se te seguras, inútil. Já que me custaste os olhos da cara, disse o marido da D. Constança, na altura. Bem, lá fui colocado na parede e senti-me importante. Eu, Cordélio Cordão, no cimo da parede, segurando um quadro caro. Depressa essa felicidade passou, pois, comecei a sentir umas dores medonhas. Era demasiado o peso para a minha coluna. É que o pior nem é estar cá em cima a segurar este mono. Se fosse só isso… Vocês não conhecem a gente desta casa. São os netos da D. Constança, os do filho mais velho, a correr de um lado para o outro. É o marido e os seus tropeções da bebedeira. É o gato que sobe para o móvel e afia as garras ao quadro. É um fim de mundo, é o que vos digo. E é por isso que não aguento mais. Não quero esta vida para mim. Quero morrer e é já. Estou por um fio, se me permitem a expressão. Sinto o coração bater descompassadamente. Sei que vou ter um ataque cardíaco mais dia, menos dia. Quero deixar-me ir. Mesmo que a morte me doa, mesmo que me acusem de fraco e apontem o dedo depois. Mesmo que vá parar ao lixo. Eu não me importo. Segura-te, inútil, diz-me o marido. E eu cedo. Não quero mais saber. Deixo-me rasgar ao meio e caio. É o fim, inútil.
Eu vivia descansado num rolo de corda, com os meus familiares, amigos e desconhecidos. Todos ali, de mão dada, a conviver diariamente. De vez em quando, a gaveta onde estávamos guardados era aberta e lá aparecia uma mão que nos pegava e cortava um bocado. O primeiro a ser levado foi o Cordelzito. Guinchou que nem um perdido. Coitado, era muito novo para essas andanças. Eu fui o quinto ou sexto. Tiraram-me para fora da gaveta e prenderam-me às argolinhas do quadro. A ver se te seguras, inútil. Já que me custaste os olhos da cara, disse o marido da D. Constança, na altura. Bem, lá fui colocado na parede e senti-me importante. Eu, Cordélio Cordão, no cimo da parede, segurando um quadro caro. Depressa essa felicidade passou, pois, comecei a sentir umas dores medonhas. Era demasiado o peso para a minha coluna. É que o pior nem é estar cá em cima a segurar este mono. Se fosse só isso… Vocês não conhecem a gente desta casa. São os netos da D. Constança, os do filho mais velho, a correr de um lado para o outro. É o marido e os seus tropeções da bebedeira. É o gato que sobe para o móvel e afia as garras ao quadro. É um fim de mundo, é o que vos digo. E é por isso que não aguento mais. Não quero esta vida para mim. Quero morrer e é já. Estou por um fio, se me permitem a expressão. Sinto o coração bater descompassadamente. Sei que vou ter um ataque cardíaco mais dia, menos dia. Quero deixar-me ir. Mesmo que a morte me doa, mesmo que me acusem de fraco e apontem o dedo depois. Mesmo que vá parar ao lixo. Eu não me importo. Segura-te, inútil, diz-me o marido. E eu cedo. Não quero mais saber. Deixo-me rasgar ao meio e caio. É o fim, inútil.
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Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
Quadro do Passado, por Luís Branco.
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