Que o tempo me seja leve
Crônica, por Giovana Damaceno.
“Eu vi o menino correndo/ eu vi o tempo/ brincando ao redor do caminho daquele menino”.
Os versos da música “Força Estranha”, de Caetano Veloso, ecoaram na minha mente quando encontrei, dia desses, um amigo de quem me despedi pela última vez há cerca de trinta anos. Era ainda um moleque, que naqueles tempos de pura meninice usava calção, e não as bermudas coloridas atuais.
Encontrei-o casualmente, dentro de um shopping, numa loja de departamentos. Estava com a mulher, filhos adultos, um deles abraçado à namorada. Forcei o cumprimento, ele me olhou com estranhamento, sorriu, e ao ver meu sorriso, veio o espanto. Sim, espanto é a perfeita descrição do que sentimos. Como mudamos!
Nunca chegou a ser um amigo próximo, mas convivemos de perto. Pelas escolas de primário, pelas ruas do bairro onde andávamos de bicicleta. Nas festas de aniversário. Nos ônibus. Era um garoto bem moreno, cabelos lisos e pretos de índio, baixo, pele lisa e brilhante, olhos pretos muito vivos. Tinha (e ainda tem) um sorrisão matador (no bom sentido). Mas nós mudamos.
Não faço ideia do rumo que tomou a vida daquele menino, a que dores precisou sobreviver, quanto de sofrimento teve que remoer, que mágoas engoliu, ou perdoou. Acontece que está desenhado no rosto dele o tanto de vida que viveu. Os olhos antes vivos caem levemente nos cantos externos e são tristes, cansados; a pele brilhante esmaeceu; os ombros pendem e ele quase se arrasta, como se estivesse apenas cumprindo a obrigação de estar, sem sentir.
As vidas de todos costumam promover reviravoltas de todo modo. Com a minha não foi diferente. Três casamentos, altos e baixos profissionais, um câncer de mama, e no meio deste caminho, perdas que deixaram dores das quais não me liberto. Na verdade o ser humano está aqui para encarar cada um a sua novidade diária, porém tal constatação a esta altura da vida é motivo de muita reflexão e, se possível, uma pisada no acelerador do crescimento pessoal.
Certo desencanto à frente do espelho, o desconforto ao sentir que o corpo jovem não existirá nunca mais, o viço da pele e a disposição física que ficaram pra trás, aos poucos vão sendo substituídos. A mudança de valores é premente. E encontrar amigos antigos é uma colaboração neste exercício.
A parte engraçada é que tem se tornado comum topar com amigos antigos pela rua e com alguns deles é possível trocar impressões francas “Nossa, cabelo tá grisalho, né?” “Seu filho já namora?” “Minha filha se forma este ano” “Precisando malhar esta barriguinha”, e por aí vai.
E é outra letra de Caetano que me inspira ao final desta divagação, pois não há como mudar o tempo, atrasar, adiantar, parar. Apenas podemos viajar na sua abstração e, ainda, nos iludir na possibilidade de uma “Oração ao Tempo”, da qual me chamam especialmente a atenção estes versos: “Peço-te o prazer legítimo/ E o movimento preciso/ (...) Quando o tempo for propício/ (...) De modo que o meu espírito/ Ganhe um brilho definido/ (...) E eu espalhe benefícios/ (...) O que usaremos prá isso/ Fica guardado em sigilo/ (...) Apenas contigo e comigo/ (...) Portanto peço-te aquilo/ E te ofereço elogios/ (...) Nas rimas do meu estilo/ Tempo tempo tempo tempo...”
Os versos da música “Força Estranha”, de Caetano Veloso, ecoaram na minha mente quando encontrei, dia desses, um amigo de quem me despedi pela última vez há cerca de trinta anos. Era ainda um moleque, que naqueles tempos de pura meninice usava calção, e não as bermudas coloridas atuais.
Encontrei-o casualmente, dentro de um shopping, numa loja de departamentos. Estava com a mulher, filhos adultos, um deles abraçado à namorada. Forcei o cumprimento, ele me olhou com estranhamento, sorriu, e ao ver meu sorriso, veio o espanto. Sim, espanto é a perfeita descrição do que sentimos. Como mudamos!
Nunca chegou a ser um amigo próximo, mas convivemos de perto. Pelas escolas de primário, pelas ruas do bairro onde andávamos de bicicleta. Nas festas de aniversário. Nos ônibus. Era um garoto bem moreno, cabelos lisos e pretos de índio, baixo, pele lisa e brilhante, olhos pretos muito vivos. Tinha (e ainda tem) um sorrisão matador (no bom sentido). Mas nós mudamos.
Não faço ideia do rumo que tomou a vida daquele menino, a que dores precisou sobreviver, quanto de sofrimento teve que remoer, que mágoas engoliu, ou perdoou. Acontece que está desenhado no rosto dele o tanto de vida que viveu. Os olhos antes vivos caem levemente nos cantos externos e são tristes, cansados; a pele brilhante esmaeceu; os ombros pendem e ele quase se arrasta, como se estivesse apenas cumprindo a obrigação de estar, sem sentir.
As vidas de todos costumam promover reviravoltas de todo modo. Com a minha não foi diferente. Três casamentos, altos e baixos profissionais, um câncer de mama, e no meio deste caminho, perdas que deixaram dores das quais não me liberto. Na verdade o ser humano está aqui para encarar cada um a sua novidade diária, porém tal constatação a esta altura da vida é motivo de muita reflexão e, se possível, uma pisada no acelerador do crescimento pessoal.
Certo desencanto à frente do espelho, o desconforto ao sentir que o corpo jovem não existirá nunca mais, o viço da pele e a disposição física que ficaram pra trás, aos poucos vão sendo substituídos. A mudança de valores é premente. E encontrar amigos antigos é uma colaboração neste exercício.
A parte engraçada é que tem se tornado comum topar com amigos antigos pela rua e com alguns deles é possível trocar impressões francas “Nossa, cabelo tá grisalho, né?” “Seu filho já namora?” “Minha filha se forma este ano” “Precisando malhar esta barriguinha”, e por aí vai.
E é outra letra de Caetano que me inspira ao final desta divagação, pois não há como mudar o tempo, atrasar, adiantar, parar. Apenas podemos viajar na sua abstração e, ainda, nos iludir na possibilidade de uma “Oração ao Tempo”, da qual me chamam especialmente a atenção estes versos: “Peço-te o prazer legítimo/ E o movimento preciso/ (...) Quando o tempo for propício/ (...) De modo que o meu espírito/ Ganhe um brilho definido/ (...) E eu espalhe benefícios/ (...) O que usaremos prá isso/ Fica guardado em sigilo/ (...) Apenas contigo e comigo/ (...) Portanto peço-te aquilo/ E te ofereço elogios/ (...) Nas rimas do meu estilo/ Tempo tempo tempo tempo...”
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Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
Menino de Raposos, por Robson De Oliveira.
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