I Concurso Literário Benfazeja

Escolhas



Conto, por Ana Sant’Anna


De um canto escuro e apertado,vejo a chuva que cai pesada, gelando as almas e anunciando a proximidade do inverno, para angústia dos que nada tem.

Observo as pessoas que passam apressadas, coloridos guarda-chuvas tremulam como bandeiras, todos correm em busca de seus destinos,não me enxergam ,minha caixa de esmolas está molhada e vazia.

Mas a vida é assim mesmo, uns se abrigam em luxuosos carros importados, outros em cantos escuros e úmidos, a sorte não sorri para todos, como um dia sorriu pra mim.

Minha vida vai correndo como a enxurrada ,cheia de sujeira e abandono,o medo crescendo conforme a água da enchente sobe, me sinto tão só,ninguém olha em minha direção,sou a imagem dos seus temores mais íntimos,acham que nunca estarão no meu lugar e pensar que um dia também pensei assim.

A chuva se arrasta por horas,sinto meus ossos doerem devido ao excesso de umidade, meu corpo parece estar apodrecendo junto com os jornais que me servem de cobertor e como o papel, minha alma se dissolve, misturando-se com a lama da rua.

Pouco tempo atrás, parece que já faz um século, minha vida era outra, eu tinha dinheiro e posição, mas fiz escolhas erradas,me envolvi com as piores pessoas e destruí as conquistas de toda uma vida ,devido a ganância e a ambição.

Agora estou aqui, vivendo os segundos,colhendo os restos do mundo, tão inoportuno e dispensável quanto o entulho que se acumula.

O sol volta a brilhar e as pessoas retomam sua rotina e de re pente, alguém que conheço de outra vida me atira uma moeda,o faz como se jogasse uma pedra em um rio,pouco se importando onde irá cair,pelo menos,com a moeda , ela acha que aliviou a possível parcela de culpa que sente sobre minha triste situação,mas a culpa somente existe em quem se julga culpado e essa culpa é toda minha.

Hoje eu sou filho do mundo,flagelo da humanidade,não me diga que sente pena de mim,pois todos querem me ver longe de suas vistas,até mesmo você, com sua beleza comprada, mas eu estou melhor agora,pois me sinto vivo, real,faço parte de suas ruas e praças, sempre estarei ao seu lado,lembrando ao mundo que a miséria existe.

A vejo se afastar , passos rápidos,tensos, quem estou enganando,preciso alcançá-la, olhar em seus olhos outra vez,me levanto, sigo em sua direção,ela entra no carro, alguém a espera, perco a coragem de me aproximar, ela pertence a outro mundo e nele eu não existo mais.

Volto a me esconder da vida naquele canto escuro ,talvez um dia, eu tome coragem e faça com que meu grito seja ouvido, até mesmo por você,talvez.

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Conto premiado com menção honrosa no Concurso Troféu Jacaré 2011.

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Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
November Rain , por Alba Luna.

Um comentário:

  1. Conto bonito e realista,que mostra a verdade que ninguém quer ver.

    Legal demais,

    Julio Martins

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