Opostos
Conto, por Valentina Silva Ferreira.
Clotilde mexia-se para cima e para baixo, acompanhada pelo guinchar da cama de tábuas velhas e parafusos mal apertados e pelo gemido contínuo e igual de Tomé. Este, por sua vez, de nádegas brancas despidas, camisola gasta a tapar as gorduras, pernas peludas e meias rotas, empurrava-se para dentro da mulher numa cansada posição de missionário que era repetida uma vez a cada quinze dias, há quase seis anos. Clotilde, na maior parte das vezes, apertava os olhos e imaginava-se num cruzeiro que era, no fundo, o seu maior sonho. Por outro lado, Tomé fingia possuir Soledad, a espanhola gostosa que o conquistou na adolescência e fizera dele um jovem sabedor do sexo e dos desejos das mulheres. Tomé sempre fora conhecido como o garanhão, o safado, o sabe tudo. E Clotilde a sortuda. No entanto, entre as quatro paredes daquele casamento, a coisa mantinha-se morna, quase fria.
Carlos fez-se assim. Dez minutos de carne com carne e nada de coração com coração. Foi um bebé muito franzino e sempre cheio de ranho. Aos sete anos acusaram-lhe uma miopia tão grave que tiveram que lhe arranjar uns óculos de lentes grossíssimas. Carlos rezava todas as noites, ia à missa aos Domingos, não sujava a roupa, não gritava, não olhava para os rabos femininos, não se masturbava, não via filmes de terror nem de teor erótico. Aliás, Carlos não via filmes. Apenas novelas e aqueles aborrecidos programas sobre coisas que não interessam a ninguém. Aos 17 anos, entrou na faculdade, afirmou-se anti-praxe, não perdeu a virgindade, não fumou nem bebeu nem se drogou. Licenciou-se em biologia com um mestrado e duas pós-graduações. Aos 28 anos era o empregado exemplar do Instituto Biotécnico, continuava virgem, sem beber ou fumar. Masturbou-se uma vez porque os gritos da vizinha ebuliram o seu sangue de uma tal forma que se julgou morto quando viu o orgasmo conquistado.
Conheceu Soraia pela altura do Natal, numa ida à livraria por onde gastava horas a dedilhar as lombadas coloridas. Ela trazia no corpo uma minissaia, uma camisa justa e branca, uns saltos altos. Garanto-vos: Soraia vestia-se bem e, embora chamativa, não se assemelhava, de forma alguma, às putas que esperam na esquina. Mas gostava de sexo e o seu melhor entretenimento resumia-se à procura do parceiro ideal. Jantava com um, tomava um copo com outro, beijava o musculado do ginásio, entregava-se ao bonitão do banco. Soraia era independente e moderna; atraente e sonhadora.
Carlos, por detrás do livro aberto que roubara à estante, viu aquelas duas pernas morenas subirem até uma saia a meio da coxa. Apreciou o contorno redondo do traseiro. Saltou a vista para dentro do abismo dos seios. Percorreu o pescoço comprido e suave. Por fim, os lábios: pequenos e gordos, vermelhos, molhados, sensuais. Engoliu em seco quando, acima do nariz arrebitado, encontrou dois grandes olhos negros que o encaravam. Pestanejou, escondendo o rubor por detrás das palavras que se atafulhavam na página. Ouviu uma risadinha e olhou de novo. Soraia provocava-o. Com dedos rápidos, desapertou o botão que ainda segurava as duas grandes bolas. Ao fazê-lo, um soutien extremamente rendado espreitou. Carlos pigarreou e ajeitou os óculos à cara. Soraia, mulher furacão, mulher de aventuras e perigosos desafios, levantou uma nesga da saia e mostrou o enorme sinal preto que adornava a sua coxa. Carlos deixou cair o livro ao chão e, em passos velozes, encontrou a saída. Soraia seguiu-o.
Terminaram a noite numa cama de hotel. Carlos estendia-se sobre os lençóis vermelhos, dando a impressão que a sua pele, já pálida, desmaiava a cada movimento de Soraia. Esta despia-se por entre uma dança e gargalhadas e beijos roubados.
- Fode-me – pediu ela.
Carlos sentiu, pela primeira vez, a urgência da conquista; a necessidade de provar uma mulher, de conhecer sabores e cheiros, de saltar para o desconhecido. Penetrou-a com a fome de um mendigo, com a sede de um beduíno, com a ânsia de liberdade de um prisioneiro, com a vontade sádica de um assassino. Carlos atirou-a contra o colchão e mostrou a Susana que, mesmo nestes tempos modernos e de mariquices, ainda havia quem sabia ser macho, ser alfa, ser forte. Quem sabia mandar. Soraia obedeceu. Soraia não pediu mais nada. Apanhou, apenas. Gemeu, chorou, sussurrou.
No outro dia, começaram a namorar. Acabara-se a procura pelo parceiro ideal de Soraia. Acabara-se o celibato de Carlos. Ontem casaram, após nove meses de ardente relação. Os opostos atraem-se, dizem. Sou mais da opinião de que as aparências iludem.
Carlos fez-se assim. Dez minutos de carne com carne e nada de coração com coração. Foi um bebé muito franzino e sempre cheio de ranho. Aos sete anos acusaram-lhe uma miopia tão grave que tiveram que lhe arranjar uns óculos de lentes grossíssimas. Carlos rezava todas as noites, ia à missa aos Domingos, não sujava a roupa, não gritava, não olhava para os rabos femininos, não se masturbava, não via filmes de terror nem de teor erótico. Aliás, Carlos não via filmes. Apenas novelas e aqueles aborrecidos programas sobre coisas que não interessam a ninguém. Aos 17 anos, entrou na faculdade, afirmou-se anti-praxe, não perdeu a virgindade, não fumou nem bebeu nem se drogou. Licenciou-se em biologia com um mestrado e duas pós-graduações. Aos 28 anos era o empregado exemplar do Instituto Biotécnico, continuava virgem, sem beber ou fumar. Masturbou-se uma vez porque os gritos da vizinha ebuliram o seu sangue de uma tal forma que se julgou morto quando viu o orgasmo conquistado.
Conheceu Soraia pela altura do Natal, numa ida à livraria por onde gastava horas a dedilhar as lombadas coloridas. Ela trazia no corpo uma minissaia, uma camisa justa e branca, uns saltos altos. Garanto-vos: Soraia vestia-se bem e, embora chamativa, não se assemelhava, de forma alguma, às putas que esperam na esquina. Mas gostava de sexo e o seu melhor entretenimento resumia-se à procura do parceiro ideal. Jantava com um, tomava um copo com outro, beijava o musculado do ginásio, entregava-se ao bonitão do banco. Soraia era independente e moderna; atraente e sonhadora.
Carlos, por detrás do livro aberto que roubara à estante, viu aquelas duas pernas morenas subirem até uma saia a meio da coxa. Apreciou o contorno redondo do traseiro. Saltou a vista para dentro do abismo dos seios. Percorreu o pescoço comprido e suave. Por fim, os lábios: pequenos e gordos, vermelhos, molhados, sensuais. Engoliu em seco quando, acima do nariz arrebitado, encontrou dois grandes olhos negros que o encaravam. Pestanejou, escondendo o rubor por detrás das palavras que se atafulhavam na página. Ouviu uma risadinha e olhou de novo. Soraia provocava-o. Com dedos rápidos, desapertou o botão que ainda segurava as duas grandes bolas. Ao fazê-lo, um soutien extremamente rendado espreitou. Carlos pigarreou e ajeitou os óculos à cara. Soraia, mulher furacão, mulher de aventuras e perigosos desafios, levantou uma nesga da saia e mostrou o enorme sinal preto que adornava a sua coxa. Carlos deixou cair o livro ao chão e, em passos velozes, encontrou a saída. Soraia seguiu-o.
Terminaram a noite numa cama de hotel. Carlos estendia-se sobre os lençóis vermelhos, dando a impressão que a sua pele, já pálida, desmaiava a cada movimento de Soraia. Esta despia-se por entre uma dança e gargalhadas e beijos roubados.
- Fode-me – pediu ela.
Carlos sentiu, pela primeira vez, a urgência da conquista; a necessidade de provar uma mulher, de conhecer sabores e cheiros, de saltar para o desconhecido. Penetrou-a com a fome de um mendigo, com a sede de um beduíno, com a ânsia de liberdade de um prisioneiro, com a vontade sádica de um assassino. Carlos atirou-a contra o colchão e mostrou a Susana que, mesmo nestes tempos modernos e de mariquices, ainda havia quem sabia ser macho, ser alfa, ser forte. Quem sabia mandar. Soraia obedeceu. Soraia não pediu mais nada. Apanhou, apenas. Gemeu, chorou, sussurrou.
No outro dia, começaram a namorar. Acabara-se a procura pelo parceiro ideal de Soraia. Acabara-se o celibato de Carlos. Ontem casaram, após nove meses de ardente relação. Os opostos atraem-se, dizem. Sou mais da opinião de que as aparências iludem.
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Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
Decote, por Lopez Faria.
Grande conto.
ResponderExcluirBom dia
Valentina,
ResponderExcluirSou brasileiro e também escrevo conto, crônicas e artigos.
Tenho 9 livros (também e-books), sou do Estado de
Minas, terra da mineração, do ouro, da prata e outras pedras semi-preciosas.
Gostei muito de seus contos. Parabéns!
Manoel
Well, Andre e Chinde, muito obrigada! :D
ResponderExcluirOsvandir, parabéns pela vasta obra já conseguida :) E obrigada pelo comentário.
Beijos.