I Concurso Literário Benfazeja

Alta indagação



Crônica, por Mariana Collares

- Por que as mulheres sempre querem romance?


Fui abordada hoje cedo com esta interrogação, vinda de um amigo recém-separado. Quarentão, jovial e com um filho pequeno, saiu de um relacionamento de muitos anos e está fazendo o que muitos como ele fazem quando saem de um longo casamento: vivendo a vida sem compromisso sentimental com o sexo oposto.

Bom, não vou entrar em detalhes sobre isso ou mesmo tentar perquirir sobre o que seja “viver a vida sem compromisso sentimental com o sexo oposto”, até porque a proposição dá margem a outra crônica e a finalidade aqui não é esta.

A pergunta que não lhe abandona, e que frequentemente ouço de muitos amigOs com os quais converso, é a mesma: Por que as mulheres SEMPRE querem romance? E quando eles lhes dizem: -“ Garota, estou a fim de você, mas não quero namoro”, elas partem. Algumas ao menos. Estas, então, suscitam a indagação, que chega a ser um espasmo - tão estupefatos ficam os moços.

Bom, e indo direto ao ponto, tanto quanto possa em um assunto tão complicado, vamos estabelecer as premissas do que seja “romance”.

Vamos dizer, primeiramente, que, segundo o dicionário*, romance é “ narração em prosa, de aventuras imaginárias, ou reproduzidas da realidade, combinadas de modo a interessarem o leitor”. Em linguagem coloquial, e que nos interessa, romance é namoro. Este por sua vez é, segundo o mesmo dicionário, “ sentir amor, apaixonar-se; fazer namoro, seduzir, encantar; andar de namoro com” e assim vai.

Tudo isso é necessário para que você, meu amigo, e a quem afinal dirijo este texto, entenda a complexidade daquilo que questiona. São tantas as definições, e poderíamos ir ao infinito buscando a real pergunta por trás da pergunta, ou mesmo a real circunstância por trás da circunstância, que chegaríamos a ponto nenhum. Ou a muitos, o que não é diferente.

Enfim. Vamos estabelecer que romance é “namoro”: é andar de mãos dadas, é ficar junto, acariciando o corpo e a alma do outro, é gostar de estar com, é fazer planos para amanhã e confiar que terá do outro uma relação de respeito e compromisso e continuidade, ainda que transitória; é telefonar, ver, sair, viajar, estar e estabelecer os laços mínimos do enlace e da fidelidade. Sim, sei que falar em fidelidade aqui soa ultrapassado, ou mesmo vai além do que muitos entendem por namoro. Mas sendo corriqueira, e de acordo com o que ainda se vê por aí, fidelidade entraria no espectro do namoro, ao menos quando se pensa em romance. Aliás, não fosse assim, você certamente não faria a tal pergunta e não ficaria indignado com ela porque a aspiração final seria alcançada: você poderia ficar “ free” por aí para “namorar” quem quiser, ainda que de forma concomitante com uma ou mais pessoas. Aliás, isso o que lhe perturba: escolher alguém para se relacionar (sexual e/ou romanticamente) e não poder desenvolver esta relação de forma a coexistir com outra, de igual espécie. No final é apenas isso e, nós mulheres, sabemos.

Pois bem. Entendendo que a premissa namoro está clara, tenho a dizer-lhe que, ao contrário do que você manifesta ou entende, a unanimidade em qualquer aspecto da vida é burra. Isso já disseram. Ouso dizer mais: além de burra, é desavisada. Então obviamente dizer que TODA mulher quer romance/namoro é ousar pela indiferença.

Vamos esclarecer que há mulheres e mulheres, assim como há homens e homens (e talvez até namoros e namoros). Sabendo disto, e ignorando em absoluto a qual tipo de “mulher” você se refere, ficaria por demais difícil tentar responder. Mas posso dizer-lhe ao menos que, sem esgotar a diversidade de “seres-mulheres” que existem por aí, imagino esteja você a se “relacionar” com alguns tipos que estão lhe dizendo isto, e os quais terei em mente para lhe responder a contento.

De qualquer forma, e já de antemão, tenho a depor que, obviamente, nem toda mulher quer “romance”. Dizer isto seria o mesmo que dizer que todo o homem não quer. E isso, você sabe, não é assim.

Mas partindo do pressuposto que algumas querem, vamos nos fixar em quem sejam elas e nos motivos que as levam a querer isto. Aliás, é o que lhe perturba.

Há um modelo de mulher que quer “romance” porque se ama. Sim, ela se ama tanto que imagina possa insuflar o amor de outro alguém. E imaginando que o amor lhe seja um fato possível, ela quer romance porque ama (sentido lato) e porque espera ser amada. Ela pode ser jovem e segura, ou madura e segura, mas definitivamente é segura o suficiente para andar na contramão da maré masculina. Mais, para dizer o que quer. E mais ainda, para manter o dito, apesar da cara de espanto de muitos homens. Ela não faz o tipo carente, ou que suporta qualquer relacionamento “ livre” para ter um corpo quente na cama, eventualmente. Aliás, ela ama seus travesseiros e adora dormir só. Tem vida própria e sonhos próprios e não aceita qualquer coisa em termos de relação, muito menos de sentimento. Quando divide a cama, o faz por um prazer refletido e somente com pessoas previamente escolhidas e que passaram por algum critério de seleção. Se você é um desses homens, fique feliz. Você foi escolhido por ela. Você é capaz, ao menos por ora (porque as decisões não são irreversíveis), de ocupar o posto de “amado/quisto/desejado/escolhido”. Mas não se preocupe. Se você lhe disser que não quer namoro, ela não vai se atirar da ponte, a não ser para fazer um “ bungee jumping”. Mas o fará porque curte este tipo de esporte, não porque você não a quis. Mas não duvide – ela ama. É capaz de grandes sentimentos e de grandes desprendimentos. É capaz de conviver e viver com. É capaz de construir porque se construiu sozinha. Na escala da seleção natural da espécie feminina, ela ocupa o que alguns chamam estranhamente de posto “ alfa”. E se fica só, o faz por opção. Porque prefere a solidão a uma falsa companhia. Se você, meu amigo, não quer romance com ela, vá embora. Não olhe para trás, até porque o ônibus já passou e ela o pegou e já está na parada seguinte. Mas fique tranquilo, há outras menos criteriosas.

Um outro tipo de mulher que quer romance é aquele carente ao extremo. E romance, para este tipo de mulher não é apenas namoro, mas envolve uma relação sempre mais “séria” e “perene” (tanto quanto as relações entre seres mortais possam ser). Foi criada para a agregação e acha que precisa fazer isso a qualquer custo. Cedo lhe disseram que ela precisava de um tal status social chamado casamento, que inclui uma festa absurda para muita gente, mas o marido é opcional. Quer filhos não por amor, mas por projeto. Tem que ter filhos porque lhe dizem (e ela crê) que uma mulher que não é mãe não é completa. Tem que ter um “marido” porque não gosta de estar só, ou pensar que está, embora no fundo sempre esteja. E o marido acaba por ser um adendo, mero coadjuvante de uma vida previamente estabelecida e fundada em padrões muito antigos. Então a completude deste tipo de mulher vem sempre de algo que está além dela mesma. Vem do outro, e talvez ela imagine possa vir de ti. Isto significa que você terá problemas, a não ser que queira esse tipo de relação, o que não imagino, sabendo quem é e o que procura por ora.

De qualquer forma, não se espante: muitos homens adoram esse tipo de mulher. Principalmente porque diante dela não há necessidade de grandes esforços. Ela aceita tudo ou muito do tudo. Na escala da seleção natural ela ocupa um lugar “menor”, mas no bom sentido. Ela pega o refugo, inclusive dos homens, em termos qualitativos. Se você estiver diante de uma delas, sugiro que vá embora. Se ficar, fique avisado. Ela será uma excelente “empregada doméstica”, com a condição de que você esteja ora ou outra por perto para lhe mentir educadamente. Ela vai acreditar em cada falsidade e ficará feliz com isto. Afinal, esforço não é um parâmetro para ela ou teria repensado, há muito, o seu modo de existir. Normalmente são mulheres inseguras, foram pouco amadas, e jamais conseguiram se libertar daquele sentimento de rejeição que trouxeram da infância ou da adolescência, quando conheceram os primeiros namoradinhos. Um tipinho complicado. Não entendo bem dele. Mas existe, é certo.

Há mulheres que querem romance porque foram pegas de surpresa. Elas não queriam, ou não estavam preparadas para isto, ou estavam num outro momento de vida em que queriam estar sós, e de repente sentiram uma fisgada no estômago: apaixonaram-se. Se foi por você, fique feliz. Você também foi um escolhido. De qualquer forma, a paixão é fato. Sente-se, não se planeja sentir. Acontece e pronto. Normalmente elas se inserem no primeiro tipo sobre o qual falei, mas podem se inserir em outros tantos que a psicologia ou a antropologia podem definir melhor. Não pretendo mesmo esgotar tudo aqui, tampouco catalogar todo mundo num rótulo tão estreito. Aliás, o que estou fazendo é tentar, com algum critério, e diante das mulheres que conheço, estabelecer algumas características para deixar sua cabeça mais tranquila e as ideias mais claras. Enfim...

Qualquer que seja a mulher que quer romance, o quer porque pensa que este é o tipo de relacionamento que vale a pena. Não quer passar de mão em mão, tampouco fazer passar. É uma mulher que quer entrar a fundo na existência, sofrendo as dores e as alegrias de existir, e que pensa que o melhor meio de conhecer outro alguém seja por esta forma. Pode estar cansada de viver só, pode não estar e somente querer você, pode querer testar como seria estar com você numa relação de compromisso, ou mesmo passar um tempo com alguma qualidade emocional. Uma coisa é certa: ela não acredita em tarzans, por isso não fica pulando de galho em galho. E se fica é por pura circunstância, não por opção. Ela procura, ou espera. Mas o principal: ela ainda acredita em você e naquilo que você poderia oferecer.

Assim, amigo, as mulheres que querem romance, buscam uma certa continuidade. Porque crêem que somente com ela pode-se conhecer, minimamente, alguém, e que pode-se crescer com as dúvidas e as certezas que vão se acumulando no convívio diário, ou mais ocasional.

Anseiam a troca verdadeira, não um mero passatempo com fim em si mesmo. Sentem que a vida pode ser vivida e encarada do ponto de vista da experiência mais íntima entre os seres, e que uma pessoa pode conter em si um mundo todo a descobrir.

Acreditam, não na sedução vazia e pulverizada a esmo pelos sorrisos e palavras doces, mas na paixão suscitada diuturnamente na pessoa amada. E na escolha diária que ela reflete. Enfim, seres ficantes” enquanto passantes. Seres que querem formar um espaço no mundo e no outro. Seres que pensam que a vida é coexistir e conviver.

Mesmo sabendo que não exauri o tema, espero ter respondido, com alguma qualidade, à sua questão de altíssima indagação filosófica. Até porque vejo que esta tem sido uma causa de intranquilidade geral masculina, principalmente quando os homens se colocam em uma busca sem fim pela quantidade sexual.

Uma coisa é certa: a mulher que quer romance ainda acredita. Não em príncipes ou em amor eterno, porque ela sabe que isso não existe, mas em relações construídas e em homens que, por sua vez, também acreditam nisso.

No fim, tudo é crença. Do que se quer e do que se veio fazer aqui; do que não se quer e da qualidade de vida que se pode ter. E principalmente, que ainda há homens que passam com, não passam sobre.


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Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
Romance, por Elaine Ronzella.

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