I Concurso Literário Benfazeja

Choveu



Poema, por Marcelo Sousa.




CHOVEU

1.

Os pardais calaram, espalhou-se um perfume

de terra excitada, de orvalhada fora de hora.
A grama arrepiou-se, o céu perdeu o lume
e os bêbados, espertos, foram-se embora.
Na esquina o vento veloz fez a curva
e os meninos montaram barquinhos de papel.
A tarde tem cheiro de saudade para as viúvas
que choram nas janelas mirando o céu.
Cidade grande, cidade pequena,
as garças sentam quietas num pé só,
e em todo canto cabe um poema
porque toda chuva lava de nossa alma o pó.

2.

Chuvinha fina virou tempestade.
Chuva grossa calou a cidade.
O céu azul de repente ficou gris.
A velha figueira era uma estátua calada, mas feliz.
Poças nos quintais convidam sapos a fazer sinfonia
enquanto os homens, insones, antecipam as perdas do dia.
Abri todas as janelas pra deixar o vento entrar
e a noite trouxe perfumes de gente, cimento, grama, terra e mar.
Nasceram rios, veias pelas vielas.
Águas carregando papéis coloridos: uma aquarela!
Os jardins dos condomínios e os barracos nos morros:
uns abençoam a água benta, outros pedem a Deus socorro.

3.

A chuva parou.
A rua mal secou
e as mulatas já patinam de sandálias.
É feriado, São Jorge perdoa nossas falhas.
Duas horinhas de um pacato regador
e um copo de pinga pra afastar a dor.
Os telhados choram pra dentro das casas
mas a essa hora, seus moradores já criaram asas.
Meninas de pernas de fora; as mães disputando o decote,
os malandros, cheios de alfazema, saem prontos para dar o bote.
Que Deus não saiba e o diabo não veja,
mas hoje é sábado, e é feriado: dia nacional da cerveja!

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