I Concurso Literário Benfazeja

A lâmina cega




Conto de Gil Rosza.

Havíamos acabado de jantar naquele restaurante com vista para enseada. Enquanto caminhávamos de volta para a pousada, ele, amável como sempre, não parava de fazer elogios mencionando pelo nome ou pelo apelido, certas partes do meu corpo.

Em dezoito meses, isso era a coisa mais bonita que achava nele, essa confiança em se dar assim num salto no escuro e durante a queda-livre, cumprir cada item do que tínhamos prometido.

A certeza dele a respeito da reciprocidade em nosso encontro é tanta que aquele brilho no olhar por várias vezes conseguia ser mais expressivo do que o mais franco dos sorrisos francos. Isso me faz sentir pena porque ele nunca suspeitou em momento algum que minhas promessas nunca foram sinceras. Nem ao menos uma das muitas vezes em que jurei amor até aos ossos foi verdadeira.

Acho que tenho estado com ele apenas para suprir minhas próprias conveniências e possivelmente medo da solidão. Tenho amado a ótima companhia dele, a paciência, o carinho, o bom humor, a sensação de saber que está sempre por perto, mesmo quando ele ainda não sabe que recentemente conheci outra pessoa e amanhã cedo irei deixá-lo definitivamente.

Enquanto caminhamos, me pergunto por que tem sempre de ser assim? Honestamente, eu não sei. Talvez porque desde sempre, fui sempre assim.

Foto: Fffound

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