I Concurso Literário Benfazeja

Invencível




Nova crônica de Leila Krüger.


Você sempre foi mais forte que eu.

Eu, tantas vezes invencível, sempre tremi na base e depois me entristeci quando de repente você aparecia, quer em sonhos, quer em paredes, tetos, cortinas, armários duros ou miragens no deserto.

Você, na verdade, sempre foi um tipo de deserto. E foi sempre como se eu tivesse deixado aquela aridez e ainda assim continuasse sentindo-a sob meus pés, que tinham sede de relva molhada.

Havia relva molhada, mas havia sempre o deserto que vinha de muito longe.

Você não é bonito, como eu desejava que fosse. Você não é nem distante, não sendo bonito. Você parece onipresente, exceto quando às vezes eu consigo fugir para cá, para um mundo que segue e não tem memória nos outdoors que vivem mudando e nas pessoas que vivem andando. As pessoas estão sempre andando, e eu acho que muitas delas não sabem bem para onde...

Mas você, eu queria que você fosse como uma taça de vinho que eu tivesse bebido inteira. Só que parece que eu continuo sorvendo, e nunca acaba, embora eu me embriague como se fosse a primeira vez. Você me embriaga, e me seca, e não vai embora quando fica tarde.

Você não é bonito; mas, veja bem, você é só meu. E é como se eu tivesse que te aceitar, como um filho que eu mesma gerei em meu coração. Você tem alma, deve ter. E é minha alma, deve ser. Sei que talvez a culpa seja minha, a culpa de você ser quem é. Eu te fiz e você não é bonito, em muitas e muitas partes de você, mas tem uma beleza que eu pressinto encontrar onde não consegui ainda olhar. Em você.

Eu preciso te amar. Eu preciso te perdoar. Eu preciso, talvez, finalmente te deixar partir, como um filho grande que vai embora de casa para o mundo. Tem de haver um mundo onde você possa habitar.

Sabe, um dia a gente faz as pazes. E você entende que eu bem que gostaria, mas não devo te manter perto. No entanto, depositarei todas as suas partes boas e a beleza que há no fundo de você em meus espelhos toda noite. Não vamos mais brigar. Não vou mais chorar. Afinal, sei que você existiu para que eu pudesse existir agora. E você sempre tenta me ensinar, e me lembrar quem eu sou. Eu quero não ser você e ser como no início – eu. Como no início, quando tudo o que havia era o futuro. E havia você, mas você não era eu. Eu era eu.

Um dia a gente faz as pazes e se abraça, como bons amigos arrependidos. Mãe e filho. Olho no olho. E aí então você vai embora.

Você sabe quem é.

Você sabe o que fez.

Você sabe tudo o que eu não sei.

Meu, só meu... Passado.


Créditos da imagem: olhares.com
I\'m too sexy for my mirror!, por AnaGouveia

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