I Concurso Literário Benfazeja

O Encontro




Conto de Deanna Ribeiro.

Noite de sexta-feira. Ela caminhava por todos os cômodos da casa; entrava neles e saía deles sem completar nenhuma das tarefas planejadas. Passos rápidos e suaves, de criança que procura pelo doce escondido. Estava ansiosa para sentir-se livre. Depois de mais uma espinhosa semana de trabalhos, tensões e notícias indigestas finalmente abriria a porta da gaiola.

Nada mal encontrar os amigos. Entre vinhos e massas, histórias, risadas, lembranças: felicidade! Almofadas pelo chão, cada um aboletado numa delas ou pelas cadeiras e poltronas da casa de um deles. Mãos sobre as pernas ou sobre os ombros do outro. Olhares afáveis, discussões calorosas, por que não? Sempre há o polêmico! Segredos revelados, histórias tornadas segredos. E música de fundo. Esse era o roteiro das confraternizações. Vez ou outra o script mudava, mas a essência se mantinha.

Experimentou boa parte do guarda-roupa. Blusas, saias, shorts, calças e vestidos. Idas e vindas intermináveis ao espelho. Vai que rola um intruso na reuniãozinha; tenho que estar apresentável - pensava e ria debochando de si mesma. Queria parecer natural, mas exuberante; esplendorosa, mas sem pompa. Decidiu-se por um charmoso vestidinho que lhe valorizava as formas e a deixava à vontade. Preto.

Discreta maquiagem no rosto para disfarçar as olheiras e marcas que as noites mal dormidas e as emoções dos últimos dias haviam deixado. Era transparente o peso da semana. Melhor esconder. Prendeu os cabelos num rabo de cavalo bem no alto da cabeça, balançavam a cada movimento; escolheu os adereços e calçou suas sandálias rasteirinhas mais confortáveis. A intenção era atrair os olhares, mas sem nada dificultando seus movimentos ou apertando seu corpo. Naturalidade.

Como quem se prepara para viver instantes os mais importantes dos últimos tempos, a moça seguiu um pequeno ritual de embelezamento rumo à vida. Queria esquecer os hábitos mecanizados, o enfado da semana que ficava para trás e se renovar: uma fênix. Os amigos sempre traziam essa energia revigorante de que agora estava mais do que com vontade de sentir, carecia. Quando saía dessas celebrações, uma sensação de euforia percorria-lhe o corpo inteiro, qual corrente elétrica a vibrar-lhe os poros.

Uma última olhada no espelho e desceu as escadas do prédio com pressa e entusiasmo para chegar logo à saída: pés ligeiros, passos largos. Cantarolava alguma coisa baixinho, com expectativa de bons momentos como há muito não intuía. Sexto sentido, sabe? Coisa de mulher. Desejo de novos acontecimentos, de distância da mesmice.

Do lado de fora, a avenida deveras movimentada: barulho, muitas luzes, automóveis, ônibus, transeuntes; quase de causar vertigem. Nada anormal para um início de noite. Ela estava tão contente, tão ansiosa pela liberdade que nem deu por conta daquele frenesi todo ao redor. Estava perdida dentro de si. Por fim chegara a tão esperada hora da alforria. Alcançar a outra calçada para tomar um táxi seria o menor dos problemas a ser enfrentado depois daquela semana de cão, pensava.

E, por entre os carros, foi achando caminho em direção ao outro lado. O olhar ofuscado pelo farol alto de um dos carros a havia traído. O automóvel encontrou seu corpo e levou-a ao chão. Assim, num instante. Queda feia, para longe. Um aglomerado de pessoas logo se formou e os veículos prontamente se afastaram. O asfalto coloria-se de um vermelho vivo, escorrendo na pista larga a formar um pequeno lago de águas rasas e calmas. Seu semblante era tranquilo, até tive a impressão de notar no canto do lábio um riso leve de compreensão e cumplicidade. A moça, então, encontrou a liberdade esperada. Saiu da gaiola e bateu forte as asas. Agora pra sempre.


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Créditos da imagem: Olhares.com
Um sorriso, por Susana

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