I Concurso Literário Benfazeja

Envelhecer



Conto de Camila Heloíse.

Nunca tive medo de envelhecer. De ver as mãos enrugar em sabedoria. Dos cabelos ficarem brancos como as nuvens que embelezam o céu. Nunca tive medo das pernas não terem força depois de ter corrido tanto por uma longa vida feliz. Nem da visão ficar turva pra guardar apenas na memória a beleza das flores. Envelhecer, pra mim, é presente de Deus.

Meu medo é de dormir no amor, e vê-lo amanhecer envelhecido. De a paixão esquentar o sangue durante a noite, e também amanhecer velha. Medo da esquizofrenia das palavras envelhecidas em mim e nas pessoas. Medo de que a minha esperança sofra do mal de Alzheimer, e se perca por aí. Medo de o coração enrugar de propósito, pela resistência ao amor, à generosidade, à afetividade e à fé. Minha maior tristeza é de ver envelhecer em mim a vontade de ser constantemente melhor para aqueles que merecem que eu seja. De não reconhecer minha felicidade no espelho. Que meu respeito e amor próprio precisem de muletas, de óculos de grau e cuidados especiais de enfermeiros.

Tenho medo de ver envelhecer em mim a coragem de cumprir meus objetivos. De que esta mesma coragem permita que fios de cabelos brancos sejam uma desculpa para não sair mais de casa.

Medo de que a minha alegria perca a visão aos poucos. De que a minha imaginação sofra de Parkinson, e assim, trêmula, desista de existir.

Tenho medo da velhice da educação e do respeito entre as pessoas. De que estas coisas fiquem preguiçosas e não queiram se manifestar.

Mas envelhecer com o tempo entregue por Deus, eu não temo. Quero ver os filhos dos meus filhos brincando com a minha lentidão nas pernas e com minhas gargalhadas tranquilas. E que o mesmo tempo que vier me tirar as cores dos cabelos e a firmeza nas palavras, não me tire a certeza do que fui, não me tire a gratidão com a minha própria alma de não ter envelhecido a coragem de ser o que devia, e de ter acontecido no tempo exato da vida.

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Imagem retirada do site We Heart It

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