I Concurso Literário Benfazeja

Totonho




Crônica de Gilcéa Rosa de Souza

Não me lembro bem o ano, mas não faz muito tempo. Era domingo e estávamos passando um fim de semana em nossa terra natal, uma linda cidadezinha onde nascemos e crescemos.

Naquele dia, minha mãe fez questão de visitar a família do tio Arthur, já falecido. Lembro-me bem dele. Ao contrário de meu avô materno, Alexandre, que tinha os olhos da cor do céu, tio Arthur tinha os olhos verde folha. Era assim a cor de seus olhos.

Minha irmã caçula dirigia. Íamos felizes da vida estrada afora. De vez em quando passávamos por alguns lugares onde minha mãe recordava momentos de sua meninice com os irmãos e meus avós.

O sol estava lá, naquele finalzinho de tarde. Fazia um friozinho delicioso e tudo parecia cheio de paz.

Depois de muito sacolejarmos dentro do carro, exprimidas feito sardinhas, finalmente avistamos a velha casa.

O cachorro veio correndo nos receber. Depois foi chegando o Quincas, Jaíre (como minha tia dizia) até surgir tia Zilda, que chegou da janela para ver o motivo da festa.

E lá estávamos todos, felizes demais. Tia Zilda, pele morena, cabelos acinzentados e presos em um coque, convidou-nos para entrar e tão logo coloquei os pés na sala o cheiro forte de fumaça tomou conta do meu pulmão. Pude ver que vinha da cozinha. Tia Zilda pareceu ler meus pensamentos e foi logo justificando:

- É para afastar os mosquitos minha filha! Eu concordei com um sorriso, demonstrando estar tudo bem. E estava. Eles eram enormemente felizes. Nossa visita era motivo de festa, alegria e muitas recordações.

Minha irmã que não podia ver um sofá foi logo se sentando em um, forrado com uma colcha de retalho e bastante velhinho. Imediatamente o cachorro colocou-se ao seu lado, olhando-a, como quem gostaria de lhe dizer algo. Quincas, um dos mais velhos, que estava a passeio disse-lhe ao perceber seu ar de interrogação para o cachorro:

- Ele está olhando porque você esta sentada no lugar preferido dele, sorrindo em seguida. Bastou esta frase para que ela pulasse do sofá imediatamente. O motivo era simples: o pobre do cachorro estava cheio de sarna. Não pude deixar de achar graça.

De pé, pude observar o fogão à lenha aceso e, de onde vinha toda aquela fumaça. Logo ao lado, havia alguns sacos costurados à mão. Eram de arroz. Eles mesmos plantavam, colhiam e pilavam. Isto me fez pensar em como era a vida na roça.

Resolvemos sair para uma prosa no terreiro. Jaíre, o contador de histórias de medo (como era carinhosamente chamado), deixava-nos com o cabelo arrepiado ao final de cada causo. E os relatava com tanta inspiração que era impossível não acreditar em suas palavras.

Esperávamos ansiosos por Totonho. Não demorou muito para que ele apontasse em seu fusca amarelo. Assim que apeou de seu carro, veio com seu sorriso aberto esbanjando simpatia. Dono de lábios grossos e, boca bem grande, mostrava sua vista de ouro no dente da frente a cada sorriso. Quanto mais se aproximava, mais minha imaginação aumentava.

Ele se achegou rasteiro, sem olhar muito nos olhos da gente. Imediatamente foi nos cumprimentando um a um, apenas com as pontas dos dedos da mão, num sinal visível de simplicidade, timidez e respeito. Mal sabia ele que eu cresci admirando sua incomparável educação e a diferença no comportamento diante de tantas pessoas que conheci ao logo de minha vida. Eu era encantada com a suavidade dele. Totonho é dessas pessoas que não se encontra mais.

Ao invés de voltar da roça com enxadas nas costas, ele chegava em seu fusca amarelo, velhinho, mas que dirigido por ele parecia um desses clássicos. Pensei comigo:

- O Totonho é mesmo um luxo de caipira!

Quando Totonho viu minha mãe, seu sorriso ficou ainda maior: Arzira! Como vai você? E para demonstrar sua imensa alegria disse que rapidamente mataria uma galinha para comemorarmos o encontro.

Minha mãe agradeceu e disse-lhe que já estávamos de saída, pois logo, logo estaria escuro e tínhamos uma estrada de chão para enfrentar. Um pouco triste, compreendeu os motivos de minha mãe.

Um pouco mais tarde, no terreiro da casa velha e de janelas altas, despedíamos uns dos outros com certo gosto de saudosismo. Afinal passávamos anos sem vê-los e, logo imaginei se teríamos a chance de estarmos todos juntos novamente.

Quando caminhávamos para o carro, tia Zilda gritou da janela perguntando numa última tentativa de nos reter por mais alguns minutos:

- Arzira suas filhas já estão todas casadas? Não, respondeu apressadamente minha mãe. Elas são muito novas ainda. E tia Zilda não se fez de rogada. Imediatamente respondeu.

- O meu Totonho também. Respondeu rapidamente.

Só não vou dizer aqui que o Totonho de tia Zilda já passava, e muito, dos seus sessenta anos. Melhor deixar para lá, são coisas da vida de quem nasceu, viveu e morreu no campo.


Gilcéa Rosa de Souza

é Graduada em Letras - Português/Inglês e Pós-Graduada em Língua Portuguesa, Planejamento Educacional e Educação Especial Inclusiva com Ênfase em Deficiência.

Cursa Biblioteconomia na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

É professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.

É membro efetiva (tomará posse em março/13) da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras e membro-correspondente da Academia Calçadense de Letras.

A autora tem poemas publicados em Antologias da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras e Antologia Poética de Cidades Brasileiras - SHOGUN EDITORA E ARTE LTDA

Poesias publicadas em PURA POESIA - Coletânea de Poetas Calçadenses.

Publicou um e-book, Reflexos do Outono e, Versos Inversos, em 2012.

“É na poesia e, através dela, que me traduzo, descubro e me completo. Quando escrevo, vou por caminhos únicos, meus, somente meus”. A autora.

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Créditos da imagem: Olhares.com

O Caipira, por OnipressPhotos

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