I Concurso Literário Benfazeja

Uma paz




Crônica, por Mariana Collares.


Qual a paz que eu necessito?

Certamente não é a mesma sua, mas até pode ser.

Uma paz que enche uma casa com filhos, mas também com histórias.

Um café da manhã regado a beijos de bom dia, e um jornal a passar de mão em mão. um jornal a quatro mãos.

Conversas animadas sobre a inflação, o mundo, o Japão e também sobre a lavanderia.

Almoço a dois, a três, a quatro, a um, mas almoço cheio de vontade de ir dormir depois, juntinho, a dois. E também a solidão necessária, um dia, dois, mais, meio dia, não importa. Mas saber que se é um inteiro apesar do mundo todo ao redor.

Poder ler sozinho ou mesmo num colo aconchegante em pleno inverno, a lareira acesa, gatos.

Ter projetos, desenvolver aspirações, e sair acompanhando os projetos do outro, se outro houver.

É família perto, mesmo longe, e amigos juntos, sempre intensamente.

É olhar para os olhos alheios e dizer: “desde sempre me preparei pra isso”, e dormir sossegada.

É não ter medo dos desejos, dos anseios e das culpas, porque todo o universo está baseado em um sentimento-base, e totalmente atemporal porque auto-pensante e pensado.

É viver verdadeira, usufruindo das próprias ideias e eternamente fazer a dialética do espírito e do corpo, ouvindo e ouvindo e falando menos que ouvindo.

E crescer sempre e sempre.

É poder viajar acordada. É viajar para conhecer, não para contar. Não para mostrar aos outros uma mala cheia de objetos que não dizem nada sobre a própria felicidade, mas que indiciam uma tristeza ínsita e tão óbvia.

É envelhecer dignamente, relembrando as próprias escolhas e sorrindo depois de constatar que optou, realmente, e ativamente, por todas elas.

É deixar a vida numa música, para voltar depois, renovada e cheia de novas esperanças.

É ter esperança mesmo na hora sacra da morte. A esperança em um céu cheio de anjos e coisas boas. E então partir lentamente, rumo às próprias verdades. Uma porta se abrindo, o mundo fechando, amém.


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Créditos da imagem: Olhares.com
Passeio a dois..., por Pernes

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