I Concurso Literário Benfazeja

Chopp só



Crônica de Giovana Damaceno.

Taí uma coisa que não aprendi, desde cedo, como se faz: tomar um chopp sozinha. Mais de quarenta anos de estrada, três casamentos, um filho, bota aí anos de estudos nas costas, terapia e tal, mas a coragem para entrar num estabelecimento, sentar e saborear um chopp na minha própria companhia, nunquinha.

Antes a senda foi relativamente dura para encarar um programa desses apenas com as amigas, anos atrás. De educação altamente repressora, estar num boteco, bebendo e sem um macho ao lado tomando conta, nem pensar! Só as vagabundas sem família cometem tamanho absurdo!!

E eis que muito recentemente a pessoa se armou de coragem e resolveu entrar, ela com ela mesma, numa choperia, em pleno Rio de Janeiro. Ninguém mordeu, claro. Aliás, naquela cidade é que isso não faz mesmo a menor diferença.

Porém, devo confessar que é tudo muito estranho. A delícia de tomar um chopp pode ser curtida sozinha ou não, afinal, ô troço gostoso! A questão é: o que fazer, sem ninguém pra conversar? Hilário: como senta, pra onde olha, onde põe as mãos.

Quem me lê deve imaginar tudo isso uma grande bobagem, afinal, o que é que tem tomar um chopp sozinha? Caríssimo leitor que não me compreende, criação repressora é um nó eterno na vida da gente. “Você não pode, não pode, não poode, não pooode, não poooode...!”. Tais palavras ficam ribombando no fundo da mente, fazendo um eco sem fim. Pois é, os significados de uns não são os significados de outros.

Até que a choperia escolhida oferece algumas variedades de opções, pena que nada próximo do meu gosto. São três TVs: uma exibe novela, a segunda exibe futebol e a outra mostra a programação musical que está sendo executada no momento. Ou seja, o cliente pode ver TV sem som nenhum, ao passo que ouve pagode. Sim, é só o que toca por ali.

No cardápio, poucas opções para quem só come ‘avoantes’ e ‘nadantes’, então, “moço, traga um chopp e um escondidinho de camarão”. Um chopp, dois chopps, chega o escondidinho e mais um chopp.

A choperia loa de famílias e de casais de namorados. Lá no fundo, um grande U é formado por um conjunto de mesas, com todos os lugares ocupados, a espera de alguém. Queimo a língua com susto que levo quando juntos gritam “parabéééns!!!” à jovem que chega, trazida pelo namorado.

Poucas distrações, enfim, pra quem está só. Vale mesmo pelo sabor relaxante do chopp naquele calorão todo. Vale a molezinha, vale o sono... “A conta, por favor”.




Foto: corbisimages.com

Um comentário:

  1. Olhe,Giovana,seja bem vinda ao sentimento da marinharia,onde acabou de chegar.Ao velho porto de Esquina,e seus barulhos típicos,de mercadorias em desovas,sacarias cinzentas em suspensão,e olhares automáticos em misturas a fedores,sarcasmos,risos e putarias,ao longo do Beer.
    Histórias contadas em voz alta,em meio a burburinhos dos pubs,ribombando por estreitos becos;onde sempre aparece o vulto noturno em fuga,becos limbosos,e lâminas prateadas da umidade do sereno por sobre o chão frio,e reflexo dos lampiões remanescentes ao fundo,sobrando apenas um forte cheiro de pimenta da Índia.
    Isto,para o homem barbudo,que lhe sai à cidade,e inesperado adentra à igreja,sonda-se ali o vazio das vozes e dos cânticos,e estão lá agora à bodega,ouve a própria respiração,que ofega,mais e mais,ao se ver rodeado por aquelas fisionomias gélidas,impagáveis,sem pecados,dos Santos.Bravo pela coragem,Giovana,e uma garrafa de chopp!.

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