I Concurso Literário Benfazeja

O velho e a árvore




Conto de Leila Krüger.

Quando eu era bem menino meu pai me levava ao pé de uma árvore, no fim da tarde, depois da labuta no campo, e ficávamos ali deitados na grama fofa, entre as folhas caídas. Nessas horas meu pai me contava suas histórias, e eu escutava atentamente, com os olhos arregalados e o coração sensível de quem tinha o pai como um herói.

Não sei se tudo o que meu pai me contava era verdade, mas isso não importa. Meu pai, através de suas histórias, me fez entender o que era ser um homem, e como seria quando eu deixasse de ser menino.

- Você vai começar a fazer muitas perguntas e ficará chateado por não ter as respostas. Então saberá que estará deixando de ser menino, porque meninos têm respostas para tudo.

Assim disse meu pai. E de fato, foi exatamente em uma clássica tarde de verão, com quinze anos e três meses de idade, que eu acredito ter deixado de ser menino. Ao pé daquele carvalho enorme, um mês depois de meu pai morrer. Minha grande questão, para a qual não encontrei resposta, era o porquê de ele não estar mais ali comigo. Meu pai não me explicou por que tinha que ir, foi de repente. Um trator o atropelou na lavoura de trigo. Meu pai não me deu a oportunidade de dar a ele um adeus. Mas logo eu descobri que nenhum adeus nunca era suficiente. O adeus era todo dia, quando a gente se lembrava das pessoas que não estavam mais lá.

E todo dia eu ia até o carvalho, no mesmo horário em que papai e eu estávamos ali, e me despedia. Conversava com ele, e de alguma forma sentia que ele estava escutando. Comecei a juntar perguntas sem resposta e entendi que, como papai dissera, eu estava deixando de ser menino. Mas ele me dissera outra coisa, também:

- Um homem não precisa de todas as respostas. Precisa de força e compreensão.

A força eu logo entendi. Meu pai dizia que um homem, e qualquer ser humano, precisava ser forte. Precisava ter esperança, mesmo quando não houvesse razão aparente. Eu tive que ser forte quando meu pai se foi de repente, tive que cuidar da minha triste mãe, que mal sabia escrever e sempre trabalhara duro na fazenda para nos alimentar e dar conforto com o pouco que tínhamos. Minha mãe era, também, minha heroína.

Mas compreensão... Compreensão eu demorei um pouco mais a saber de que se tratava. Pensava que compreender era entender, mas eu nada entendia do mundo, das perdas. Meu pai quase não tinha posses; apenas uma fazendinha muito pequena, não deixou muita coisa para mim e minha mãe. Mas deixou uma bela coleção de livros com a qual, antes de ir embora, estava me ensinando a ler. Eu não frequentei a escola, meu tio Max e meu pai eram quem me ensinavam, meu pai me emprestava seus livros e meu tio Max, sua escrivaninha. Meu tio Max disse que meu pai aprendeu a ler sozinho, nunca frequentou a escola. E que eu era ainda mais esperto que ele. Tio Max, uma vez, disse que eu seria um grande escritor, e daria orgulho a meu pai e a minha mãe, mesmo que eles não estivessem lá para ver. De algum lugar eles estariam olhando, ele disse.

Eu estava deixando de ser menino. Meninos que sonham, que acreditam, que brincam na grama e conversam com cachorros. Desde aquela tarde de verão em que chorei muito no carvalho do meu pai, eu acho que comecei a deixar de ser menino. Força e compreensão. Suportar e aceitar.

Mas um dia, pouco antes de me deixar, papai me disse, na árvore:

- Nem sempre somos fortes nem compreendemos, você não sabe?

Então, como é que seríamos homens, mulheres, adultos?

Eu só fui entender muito mais tarde. Quando fui embora da fazenda. Creio que papai tentava de todas as formas me mostrar aquilo, mas só eu poderia descobrir. As palavras são placas, o caminho é nosso. A gente é que descobre. Eu já vi meu pai chorar, sem esconder, por exemplo, quando meu avô morreu e ele me abraçou. E também vi papai brigar com o vizinho por causa das galinhas e das vacas algumas vezes. Eu vi papai esmorecer algumas vezes, e também mamãe, era sempre um problema ter mantimentos, mas eles eram meus heróis.

Quando meu pai se foi, por anos eu visitei o seu carvalho diariamente, eu conseguia senti-lo ali. Conseguia, ao menos, ouvir ecoarem suas palavras que nunca vão morrer.

Minha mãe se foi faz um tempo, velhinha e rodeada de netos. Na ocasião não consegui visitar a árvore; a mãe foi sepultada em sua cidade, longe da fazenda, e eu tinha compromissos e precisava voltar. Hoje, no entanto, eu estive no carvalho para me despedir mais uma vez do meu pai. Ou seria para me encontrar novamente? O menino que estava lá, e que eu ainda era. Eu chorei, e eu fiz muitas perguntas. Eu não fui forte, eu quis um abraço.

Vinte anos longe do carvalho do meu pai. Eu já sou um velho. Essa vai ser minha árvore pra sempre. Queria que papai a visse agora, como ainda continua do jeito que ele a deixou. É a árvore mais bonita da redondeza. E eu, esse homem grisalho e míope, sou um velho menino.

Acho que seremos sempre meninos e meninas perguntando à árvore. Por mais longe que esteja e por mais antiga que seja.

Meu tio Max disse que eu seria um grande escritor. E disse que meu pai dissera isso a ele. Pois bem, pai, acho que escrevemos juntos cada livro meu. Você, que nunca frequentou uma escola, assim como minha mãe, me ensinou, com ela, a ler. Não apenas livros: as pessoas, os sentimentos, a vida. Eu mesmo. Cada um lê o que sua alma enxerga. Cada um lê com os olhos de quem o leu.


Da minha mãe guardarei muitas lembranças, mas do meu pai serão sempre os fins de tarde no seu, no nosso carvalho sábio. Hoje o escutei, em silêncio, dizer coisas que os meninos precisam ensinar aos homens. Aos homens que são pouco meninos. Aos homens que realmente ficaram velhos, velhos demais para ouvir suas árvores.

Um comentário:

  1. Belo conto,Leila Kruger. Busque mais na literatura,você tem a humildade,busque histórias de vida,aquelas que fizeram os grandes escritores,apaixonadamente,eu sinto que você pode,tem respeito à palavra,e dispõe o texto; tanto na poesia,quanto na literatura descricional ,o respeito devido que ampara todo bom escritor.Visite o mundo,nele estão as grandes histórias,os grandes enredos para nossa imaginação.

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