I Concurso Literário Benfazeja

Ensimesmada



Conto de Daniela Diana


Estava encurralada nas paredes do quarto. Era a grande chance de alcançar seu fim. Matá-la. Parei! Seu corpo dizia. Quase falava. Ágil em seus movimentos, desconcertada, correu para trás da cômoda. Pela enorme fresta tive a grande chance de conhecer, de ver, de sentir. Parei de respirar por alguns segundos. Como uma mãe que defende sua prole desde o momento de seu primeiro arrepio mundano, ela sacudia seu corpo inteiro a fim de proteger tudo o que era seu. Afastei-me lentamente, estarrecida. Puxei o ar para dentro dos pulmões que pareciam neste momento, serem dois corações pulsantes. Não podia! Não queria! Não, não e não! A negação exacerbada momentânea fez com que minha cabeça balançasse de um lado ao outro, freneticamente. Bebi um grande gole de água que permanecia tépida durante dias em cima do velho criado mudo. Tossi. Ainda com a toalha nas mãos, lembrei-me do momento anterior ao encontro. Estava cansada e disposta a tomar aquele banho morno antes de deitar. Resolvi fazê-lo. Na ponta dos pés, para não assustar a mãe e sua prole, decide adentrar ao banheiro e seguir meu objetivo. O sono não amoleciam mais minhas pernas, nem meu corpo cansado e sujo de poeira. Rigidez e tensão. Banho de corpo e alma. Procurava a explicação pra tal atitude. Compaixão. Comoção. Vontade de viver. Medo de morrer e perder tudo o que construiu. Dor. Horror. Pavor. Velho e Novo. Origem e Fim. Fechei o chuveiro e esperei até a última gota cair para pisar no tapete e, finalmente escolher. Definitivamente. O chinelo. A Vassoura. A pá. Coloquei o pé direito no tapete úmido e encardido. O pé esquerdo. Sempre tive más impressões. Com o pé esquerdo, por entre os dedos, senti suas traqueias serem moídas pelo meu peso. Sua respiração chegava ao fim. Seu último suspiro. Segurei na pia evitando maiores estragos, mas já era tarde. Não levantei o tapete. Incomodada, fui deitar. Certa de que evitei o que sempre evitava: ver o que temos dentro.


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Créditos da imagem: olhares.pt
quarto, por migs77

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