I Concurso Literário Benfazeja

Meia dúzia




Conto de Cecília Alves Feitoza!


Era uma quinta diferente de todas as outras. Estavam reunidos ali pra julgá-lo. Era esse o seu trabalho mais arriscado. Mas qual razão havia pra que depois de tanto sucesso resolvesse ainda assim arriscar-se a criar uma história qual esta que segue? Respondeu apenas que era O Grande Desafio que havia proposto a si.

Olhos firmes e rasos estava pronto pras acusações e defesas daquela tarde.

O juiz entrou na sala carregando o grande livro: O Auto da Barca do Inferno. Excelentíssimo Gil Vicente parecia implacável. Logo atrás do meritíssimo entraram as testemunhas de acusação e de defesa, do lado direito do réu estava o júri popular. O promotor convulso esfregava as mãos. Teria início o julgamento mais importante de suas vidas.

Sentou-se e pediu que o júri e os demais fizessem o mesmo.

O réu jurou diante de todos com a mão sobre O Auto Da Barca do Inferno dizer a verdade, tão somente a verdade. Se houvesse Crime confessaria, se houvesse culpa haveria Castigo.

Começou a falar timidamente, contudo foi tomado pelas palavras, que vivas falavam por si de forma eloquente.

-Em minha defesa... Em minha defesa tenho a dizer que tudo quanto fiz durante esses 6 meses foi dedicar-me intensamente ao meu trabalho,buscar melhorá-lo,ter criticidade antes que outros como vocês o façam nesse julgamento.Sabia o tempo todo que esse dia chegaria,mas não pensei que fosse tão depressa e humilhante vir até aqui.

As testemunhas cochichavam entre si. Era uma verdadeira Paulicéia Desvairada ora a brincar ora a discutir o tema com seriedade.

-Rua dos Cataventos, Largo da Palma. Foi ali o local do crime? Perguntaram Quintana e Adonias Filho a um só tempo,inquirindo o réu.

-Não vejo Crime. Não cometi coisa alguma.Estou me sentindo tal qual as Vítimas do Preconceito.

-Ora, onde está o preconceito? Você ousa comparar-se a nós, diz-se grande escritor, contador de histórias mais fabulosas que As Reinações de Narizinho, e o preconceituoso sou eu?

-Então estou sendo acusado, julgado, por ousar como disse o senhor Monteiro Lobato escrever histórias. Desde quando isso é errado?

-Quando não nos ameaça. Olhe pra você uma criaturazinha medíocre, um reles escritor, desista do ofício meu caro, suas ideias não passam de simples Ilusões. Disse Padre Antônio Vieira começando com os Sermões.

-Alto lá padre! Desde quando vigário de paróquia pode se acreditar senhor do mundo? Bradou Erasmo de Roterdam furioso proferindo o seu Elogio da Loucura.

-Parece que ao menos um de vocês está decidido a ajudar em minha defesa.

-Assim Falou Zaraustra e assim falo também eu. Proferiu Erasmo e ajuntou essa: sou seu amigo, da mesma forma que Scliar era O Amigo de Castro Alves. Defenderei você com unhas e dentes.

-Obrigado.

Nesse instante alguns escritores saiam aos murros, rolavam pelo tapete da sala diante do juiz.

-Ordem no tribunal ou declararei suspenso o julgamento .Ordenou Vicente cravando os olhos fixamente em Gregório, o boca do inferno. Ele havia provocado agitação em massa.

-Guardarei as Memórias da Loucura de hoje. Falou Casmurro. Mas ainda assim não serão mais marcantes que as Memórias Póstumas de Brás Cubas... Ah,que memórias!

-Deixe de sandices Casmurro.Implorou Florbela tendo o coração contorcido, uma Charneca toda em Flor, fazia então a Lira de seus Vinte anos. Vinte anos de seiva e juventude... Espumas flutuantes. Era a data do seu Aniversário, o julgamento de um jovem escritor seria uma bela Mensagem?

Fernando Pessoa achegou-se ao réu e disse:

-Serei breve,usarei menos de Cinco Minutos do seu tempo.Respeito-o profundamente,contudo gostaria que pudesse entender a revolta deles:Vidas Secas,é isso que a juventude tem feito de grandes autores quais estes,mas eles são A Rosa do Povo,O Sentimento do Mundo.Gostaria que você os perdoasse.

-Quero somente a Reconciliação. Não farei da minha vida um Livro de Mágoas.

O relógio estava prestes a desferir a sua 12º badalada, Aqui Entre Nós havia O Grande Desafio, declarar Lindolfo culpado ou inocente.

O Juiz decidiu por bem ouvir O Veredito do povo:sozinho com eles confabulava o destino daquela criatura, enquanto esta do lado de fora, aguardava ansioso em Silêncio como fazem os Inocentes.

Após ouvir a todos Gil Vicente sentou-se, havia no Excelentíssimo juiz algo diferente, como se A Metamorfose tivesse se realizado por completo. Falando de forma improvisada passeava por toda a sala como se esta fosse Um Céu Numa Flor Silvestre.

Os Miseráveis do mundo trouxeram até nós um pobre homem que fia letras, tece palavras; influenciados por eles grandes escritores como os que se encontram aqui foram levados por intrigas a acusá-lo de sujar o passado glorioso deles ao dizer-se também um escritor.

-Mas, o amor é fogo que arde sem se ver excelência; e o referido cabra usando possível palavra do João Cabral de Melo Neto,não fala de amor.

-Amar, verbo intransitivo. O amor só precisa de si mesmo pra existir,sem complementos. E ele ama o que faz, e faz bem. Por favor, senhor juiz volte a dizer a sentença. Pediu Mário de Andrade.

-Continuando... Espero dessa vez não ser interrompido por ninguém. Alguns gostam de usar a expressão Amor Líquido em referência a relações fugazes e tênues. Porém durante toda a sessão de hoje pude perceber que a preocupação de vocês é desnecessária, aliviem vossos corações o autor aqui presente ama o que faz, pretende continuar escrevendo por longos anos e não pretende tomar o lugar de nenhum de vós, quer apenas exercer o talento que acredita ter, e a mim não cabe julgar se esse talento existe ou não, estou aqui apenas pra inocentá-lo do crime... Qual é mesmo o crime? Acredito que não havendo circunstância que caracterize ação criminosa posso dar ao réu a sua Redenção.



*Postagem comemorativa aos 6 meses do blog.
19 de Julho criação do Para Lelas e Verticais.


Cecília Alves Feitoza,
24 anos, é estudante de direito da Universidade do Estado da Bahia - Uneb e escritora.Costuma dizer que o Direito é sua vocação profissional enquanto que a as letras são a sua verdadeira paixão.

Começou a escrever ainda criança, no início eram frases curtas, posteriormente poesias, mas nelas de fato nunca conseguiu se enquadrar com a liberdade que sonhara, o que só obteve na prosa.

No ano de 2011 participou da "Antologia de Contos e Crônicas: Elas Escrevem" - Volume II (Editora Andross) com o conto "O Homem da Bolha".Também data de 2011 a criação do seu blog literário Para Lelas e Verticais no qual posta periodicamente contos de sua autoria.

Blog Facebook @alvescecy


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Créditos da imagem: (pode deixar que eu preencho isso)
Estilo à moda antiga, por Pedro Moreira

4 comentários:

  1. Depois,todos saíram,com as Ilusões Perdidas,atravessaram uma Feira das Vaidades,levando Em cada coração um Pecado.

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  2. MUITO LEGAL...O TRABALHO DE CECÍLIA ALVES FEITOZA...É CONTAGIANTE...
    Redivaldo Ribeiro - Arte Educador

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  3. Obrigada pessoal.
    Isso mesmo mtso8sar@gmail.com eles atravessaram uma feira de vaidades. E não seria a vaidade, quando em excesso, um grande pecado?
    Fico feliz que tenham gostado.
    Um grande abraço pra vc e outro para o Redivaldo.

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