I Concurso Literário Benfazeja

Monges




Dizem que um monge tibetano passa árduos anos no Tibete em meditação e provas. Após determinado tempo, e tendo ele ultrapassado os próprios limites, só é apto a tornar-se efetivamente um monge - dizem e não fui eu quem falou-, quando sobrevive a uma fila de supermercado durante o período de férias na praia.

Deve fazer cerca de 36 graus dentro do supermercado, considerando que o ar condicionado está funcionando. Um dia após o feriado de 1º de janeiro, e dado que milhares de pessoas já retornaram à cidade, ainda restaram outras milhares em férias, e casualmente metade destas está agora na fila deste supermercado, aguardando para pagar as compras e voltar ao descanso da respectiva morada de praia. Uma situação cômoda e absolutamente tranquilizante, como podem perceber. Mas não é tudo.

A moça do caixa aparentemente fez o mesmo estágio no Tibete e resolveu mostrar toda a sua paciência neste calor senegalês enquanto passa, calmamente, pela maquininha de anotar preços, os produtos de cada um dos oitocentos militantes da fila em que me encontro. Aliás, de vez em quando vejo que a moça pára, talvez enquanto a máquina de anotar preços – que também fez estágio no Tibete -, resolve dar aquela paradinha básica para dizer para nós mortais: “eu também preciso de tempo”.

Depois que a tal volta a funcionar, a moça tibetana, calmamente (é necessária a redundância) volta a estabelecer seu melodioso e quase estático “passar das compras” pelo sensor - tudo bem devagar.

Não sem pensar, os donos do supermercado (que absolutamente não fizeram estágio no Tibete) colocaram latinhas fresquinhas de refrigerante pelas prateleiras ao redor das filas para que nós, tibetanos ou não, possamos nos endividar mais ainda com o nosso suplício. Mas advirto que um monge tibetano realmente não daria por isso, o que, infelizmente, não é meu caso, pois já tomei duas latinhas e estou aqui olhando para a terceira e contando as calorias que irão se depositar, calmamente também, em meus glúteos em forma de sulcosos buraquinhos nada tibetanos, para o deleite dos donos das academias de ginástica e clínicas de reabilitação estética, que também não têm relação nenhuma com o Tibete.

Se eu conseguir sair viva deste supermercado, e minha paciência nada tibetana consentir, eu juro que escrevo uma crônica.


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Créditos da imagem: 
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