I Concurso Literário Benfazeja

Enquanto durmo




Sempre que acordo de uma noite agitada de sono costumo lembrar imediatamente das palavras de uma amiga que uma vez disse: “coisas estranhas acontecem enquanto sonhamos”. Ela mencionou isso ao contar que, numa manhã qualquer, acordou apaixonada por um rapaz que pouco conhecia, e sobre o qual jamais entornou um ou dois olhares.

“Acordei apaixonada!”- contou-, “e eu tenho certeza de que eu era absolutamente indiferente a ele até ontem à noite, quando deitei para dormir”.

Lembro tanto disso que morro de medo da sensação que tenho ao acordar de certos sonhos. Fico perscrutando os pensamentos, ainda soltos no ar, meio vento – meio nuvem, e só depois de um bom tempo arrastando meu semi-sonambulismo pela casa é que posso dizer que estou efetivamente acordada e que a noite não trouxe uma maior consequência. Normalmente a sensação é de segurança, mas houve um dia em que “acordei palmito”.

Explico.

Eu sempre fui uma pessoa complicada para comer. Olhava para a cara do prato ou refeição e, mesmo sem jamais ter provado da comida, dizia cabalmente do que gostava e do que não gostava. Foi assim para muita coisa: mel, pêssego, camarão... Olhava, cheirava, fazia uma cara feia e dizia que não me apetecia.

“Mas você sequer provou!” – diziam.

Eu não me fazia de rogada. Se a cara do prato não me estimulava, a sentença era que ele jamais “feriria” o meu exigente paladar. Com palmito foi assim. Aquele cilindro branco-leitoso, de cheiro acre - coisa esquisita-, que tanto enfeitava saladas quanto tinha a ousadia de figurar nos meus prediletos strogonofes, estragando tudo! Se o cozinheiro queria que algo tivesse um “quê” de chique, eis que vinha o tal palmito a poluir com o seu feitio e sabor (que eu desconhecia) o prato tão bonito e apetitoso. Para mim, um verdadeiro sacrilégio. Não comia.

Então veio aquela manhã em que “acordei palmito”. Não me recordo bem do sonho que tive aquela noite, mas tenho a certeza de que comi uma embalagem inteira de palmitos enquanto dormia e me refestelei pela gula e paladar. Acordei com uma vontade insaciável, sem cabimento mesmo, de comer o tal e não descansei enquanto não fui ao supermercado para pegar um enorme vidro de palmito, que eu comi de uma só vez em frente à TV.

Hoje ele está dentre os meus pratos prediletos e não ousem perguntar que diabos ocorreu naquela noite misteriosa em que sonhei comer palmitos e acordei sôfrega de vontade. Vai ver os sonhos podem mais do que imaginamos. Bom, não faltam cientistas a dizer isso por aí.

Ah, e antes que me perguntem: sim, eles tinham o exato gosto que efetivamente possuem. O que significa que meu cérebro realmente achou que comia palmitos de verdade. Esses que aí estão: habitando o nosso mundo real.

Minha amiga disse que ficou apaixonada pelo rapaz um bom tempo e que o namoro começou mesmo no sonho.

Já os palmitos ainda fazem parte de minha lista de guloseimas, então imagino que o romance (com os palmitos) será longo. Isso se não resolver sonhar com um aspargo ou alcachofra e mudar todo o meu paladar novamente para o substituir. Antes o estômago do que o amor...

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Créditos da imagem:
http://mimorestaurante.files.wordpress.com/2011/08/palmito.jpg

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