Fora da lei?
Ela sabia: nada iria mudar.
Ainda assim, levantou-se.
Serviu-se de mais um pouco do vinho que abrira no jantar.
A cada gole,
desejou
que dois corpos pudessem estar no mesmo lugar, ao mesmo tempo.
Desejou ir contra as leis —
da física,
da moral
e dos bons costumes.
Laís jamais criara expectativas na vida. Nunca planejara; em momento algum tentou sequer conjecturar.
O futuro ao futuro pertencia
E, portanto, futuro para sempre seria.
Escolheu na gaveta sua mais velha calça jeans. A camisa mais feia que tinha, fechou até o pescoço. Calçou seus chinelos, e dos mais monótonos tons saiu vestida para não colorir a festa.
Tomou um drinque.
Tomou outro.
Laís não arriscou um único passo de dança.
Sorria para quem lhe desafiava. Mas logo se esquivava com a desculpa de que precisava ir ao banheiro. Por fim se deu conta de que ao perder as contas de suas desculpas, pintou — ainda que sem muitas cores — o perfil da incontinência.
Seria uma abstinência? Quem sabe até certa demência?
O fato é que Laís simplesmente não queria.
Dançar.
Empenhar-se.
Muito menos pretendia frustrar-se.
O terceiro drinque quem lhe serviu foi Godard.
“O quê? Mas Godard não é o cineasta?”
“Sim. Meus pais são cinéfilos.”
“E você? Polêmico?”
“Há controvérsias.”
Falaram de carros, de esportes e de culinária.
Riram.
Nada disso era interesse de Laís.
Muito menos de Godard.
Foi então que, ao ouvir o tic-tac do relógio, decidiram expressar desejos.
Ele tinha tesão por camisa fechada até o pescoço.
Ela gostava de mulheres
e de homens que incitavam controvérsias…
Ela precisava contestar.
Ele precisava desabotoar.
No quarto do hotel, voou calça jeans com calça jeans. Camisa com camisa. Cueca com cueca.
Laís desabotoou,
Godard contestou.
E prometeram.
“O que acontece no quarto de hotel, fica no quarto de hotel. E nada mais. Porque o futuro…”
Ele sabia: tudo pode mudar.
Levantou-se… Assim.
Serviu-se de mais uma dose de uísque.
A cada tilintar do gelo no cristal
desejou
dois corpos no mesmo lugar, ao mesmo tempo.
O dele a desabotoar
o dela
a contradizer
num gemido
quaisquer que fossem as leis.
para Jack, inspirador
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