I Concurso Literário Benfazeja

Ela não serve para nada, nem para procriar




"Ela não serve para nada. Nem para procriar”.
(frase dita por mulher anônima em um restaurante de Porto Alegre, em setembro de 2014).



É possível que eu tenha vindo para este mundo para ter filhos e só isso. Isso me daria, pelo menos, o tempo até a puberdade para poder desenvolver plenamente a minha individualidade antes de me tornar a depositária da vida de meus filhos. Talvez eu fizesse de mim algo até atingir meus treze anos, talvez menos. Talvez eu pudesse me tornar uma mulher antes de começar a sangrar, íntegra, inteira, auto-pensada. Talvez assim eu não tivesse direito à infância, mas a verdade é que a mulher não é feita para ter infância. Ainda pequena é ensinada a brincar de casinha, de lavar, de cozinhar, de cuidar de bebês de brinquedo. É mãe desde pequena. Desde sempre. Ser mãe pode ser a tarefa mais incrível deste mundo. É um doar-se eterno. Mas eu me dôo constantemente e meu filho é aquele que nem saiu de minhas entranhas... Há amor mais indubitável do que este? Mas dizem que eu tenho que ser mulher e ser mãe é o único destino e o propósito do que vim fazer. Sou mulher. Nasci com um cromossomo X a mais e isso me torna uma chocadeira. Necessariamente. Não importa o amor que possa sentir, preciso que ele se espalhe por meus genes e nasça enroscado em um cordão umbilical ligado à mim. "Não há o feminino fora da maternidade". Isso me disseram desde cedo. Seria realmente um problema se eu não servisse para mais nada.
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Créditos da imagem:
indefinido.

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