Um teatro no sonho: uma palhaçada
Fecham-se as cortinas…
A estrada era de paralelepípedo.
O horizonte, salpicado de luz alaranjada, revelava cores: as paredes, verde e marrom; o teto, azul.
Ela caminhava lenta e cuidadosa.
Ele andava suave e alegre.
Trombaram-se.
Os sapatos vermelhos dele, juntaram-se aos também vermelhos dela.
Ele empurrava um carrinho de bebê, que não tinha bebê.
Havia só quinquilharia: bacia, bengala, raquete de tênis e um tambor.
Ela empurrava nada. Seguia livre.
Pero no mucho…
Não se falaram. Mergulharam em um cinema mudo:
Ele, “como quem quer nada”. Apoiado em sua bengala, suspirava cansado. Mentirosamente cansado. Artisticamente cansado. Sorriu de lado. Olhou fundo nos olhos dela e soltou uma gargalhada.
Não tinha som.
Tinha os lábios abertos, os dentes à mostra, a garganta exposta.
Ela, silenciosa.
Ele arqueou as sobrancelhas, sua testa enrugou e os olhos arregalaram. Depois, com o olhar inocente e ainda sorrindo, olhou para o lado como se quisesse disfarçar.
Assobiou.
Estaria ele encantado? Ou seria isso apenas um detalhe falso de um sonho dela?
Ele fixou seu olhar nela, riu novamente e apontou para o carrinho.
Com pequenos saltos alcançou aquele meio-de-transporte-de-quinquilharias e de lá tirou o tambor.
Batucou.
Sem saber como nem o quê.
Deixou o instrumento de lado.
Olhou com pesar para o silêncio da moça e voltou ao carrinho.
Olhou dentro dele.
Olhou para ela.
Olhou de volta para o carrinho. Sorriu.
Ali, mergulhou os braços para trazer à tona um belo par de asas.
Borboletas.
Ele sabia: As asas lhe tocariam, ele a tocaria, ela refletiria o toque num eterno efeito…
de amor.
Mas não era hora de amar.
Deitou as asas para que esperassem, calmamente, num sono tranquilo, a hora certa de abrir e voar mundo afora.
No jardim, logo ali, buscou uma rosa que mordeu, e seu olhar de tango sugeriu algo que ela não leu.
Ele levantou um braço, rodopiou o outro, levantou as sobrancelhas.
Ela riu.
Finalmente riu.
Gargalhou como se sentisse algo a vir de dentro.
Ele abriu os braços.
— Viria ali um abraço? —
A cabeça voltada para baixo, os olhos virados para cima, a boca entreaberta.
Foi aí que apontou para ela e escancarou a boca num grito mudo. Franziu as sobrancelhas.
Correu para o carrinho.
A bacia.
Lavaria a roupa suja?
Ou batucaria como um pobre indivíduo sem instrumento para tocar?
(Mas e o tambor de outrora?)
Olhou para ela com interrogação no rosto:
“Você sabe tocar?”
“Tocar uma bacia? Você é louco?”
Diriam eles se fossem de falar.
Mas o sonho era mudo.
Ela pegou a bacia, olhou para o objeto e sorriu.
Ele foi ao carrinho pegar algo mais.
Raquete de tênis.
“Vamos jogar?”
Quem estaria a perguntar?
E ele se jogou. De joelhos.
Ela se virou, durona que não era.
Ele se levantou, mostrou seus muques: os dois braços. Depois, um só. O outro.
Virou-se para partir.
“Pensando bem, talvez eu deva ficar.”
“Pensando bem, talvez você deva partir.”
Diriam eles se fossem de falar.
Mas o sonho era mudo.
Ele apontou para ela, mostrou sua raquete de tênis, apontou para o carrinho.
Ela foi até o meio-de-transporte-de-quinquilharias, guardou a bacia, deu-lhe as costas.
Do jardim, colheu um graveto.
Começaram a batalhar.
Um golpe daqui, outro de lá.
Um de lá, outro de cá.
Dois golpes ao mesmo tempo e eles se afastaram.
Riram.
Mas, por dentro, machucados.
Ele se lembrou das asas.
Borboletas.
É feito
amor.
Na cabeça, como um desajeitado palhaço, ele a colocou.
“Não é aí que vão as asas.”
Ela diria, se fosse de falar.
Mas o sonho…
Se queres ser livre, há que se entender onde, quando e como usar essas asas.
Não se tens asas, se não podes voar.
E foi então que ele caiu.
Mas ela estava lá e prometeu que sempre estaria.
No chão, ele rabiscou a letra R. Desenhou um coração e em seguida
uma grande interrogação.
Como não eram de falar, não revelaram nomes.
Mas isso não importava.
Importante mesmo era o tamanho do coração.
Ah! O deles era tão grande, mas tão grande
que não caberia nesta história.
[e quando o nariz dele tocou o dela,
juntos,
morreram de rir para sempre.]
ergue-se o pano.
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