benditos os que se escalam

Benditos os que acendem, trêmulos
um cigarro no outro
benditos os aguardam um telefonema
uma mensagem
mímicas de amor
benditos os que respondem a um conhecido que está tudo bem
mas imaginam poesias
benditos os querem correr mais são mancos
e benditos os que só querem que os queiram
benditos os que falam com a fumaça
e os que imaginam mil e um diálogos rasgados
enquanto o banho lhes toma
benditos os que se escalam
na busca vã
de um cume
e benditos os que buscam, ainda, suas partes perdidas desde a infância
pois só lhes existe a incompletude
benditos os que dizem na forma de poema
benditos os que são cúmplices do crime nunca cometido
benditos os que se afogam no ar
e benditos os que fumam na chuva e
depois, quando estia
benditos, sentem o perfume das estrelas
benditos os que se casam e
maridos
não leem jornais
benditos os que, de pés tortos, chutam
benditos os tão estranhos quanto estrelas-do-mar redondas
quanto morcegos e acordam invertidos
benditos os que são derrocados
os que não tem folia
os que tomam café da manhã
sozinhos
às três da tarde
benditos os que semeiam no inverno
os que rezam para deuses antigos
benditos os que escrevem o que não presta
benditos os sísifos que do alto da montanha contemplam e até, porque não, sorriem
*
Créditos da imagem
Waiting, por Filipe Correia
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