I Concurso Literário Benfazeja

(quase) Anjos



Você já sentiu o peso de estar dentro de você? Que esforço sobre-humano esse de ser tudo hoje em dia: bom (boa) profissional, bom estudante de futuro brilhante, ser pai (mãe), filho (filha), bom (boa) namorado(a), cônjuge, bom partido, cuidar da estética (especialmente se for mulher), ser educado(a), controlar seus impulsos animalescos, pagar as contas em dia, dar conselhos, ter tempo para os amigos (necessário), e não só online, se posicionar nos assuntos do momento (eles nos cobram), decidir no que acredita, o que mudar, aonde ir, miríades de decisões rápidas que podem mudar um destino, ou vários, seguir a manada e engolir sapos, cuspir os sapos e ser execrado(a), lidar com a penumbra perigosa e selvática que é o coração, ter dúvidas existenciais de madrugada gritando na alma, ter mais dúvidas que certezas, buscar o amor, aprender a amar, pensar nos outros, pensar em si mesmo, pensar na aposentadoria, pensar na vida após a morte, avaliar o passado, se desgarrar do passado, ser uma metamorfose ambulante em um mundo mutante. Quanta coisa! Bem-vindo(a) à vida, um mar de contradições inevitáveis e limitações intocáveis - às vezes.

Acho que é mais fácil não sermos assim tão bons. Tão "o melhor que podemos ser". Já é grande coisa, no meio da massa, ser quem se é. Saber o que se quer. Ou o que não se quer, ao menos. E também aceitar não saber! Fazer uma pequena diferença. Demarcar seu mundo dentro do mundo. Não corresponder tanto às expectativas, não provar sempre, não explicar mil vezes, não explicar, ser um pouco egoísta, um pouco fraco, um pouco bobo, um pouco quem se é de verdade e não o que se devia ser.

Sei lá, ser tudo ao mesmo tempo cansa. Agradar a tanta gente, fazer sempre o certo, ser um cidadão exemplar a cada segundo às vezes é meio desumano. Sobre-humano.

Essas asas de anjo costumam pesar. Pesam tanto, às vezes, que se esquecem que foram feitas para voar. Voar no desconhecido.


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Créditos da foto:
www.weheartit.com

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