I Concurso Literário Benfazeja

Varais




Há uma coisa que me atrai quando venta nos fins de tarde: roupas no varal. Nas varandas superiores e terraços, elas voam ao sabor da brisa do crepúsculo, se roçam e se batem, se embolam nas cordas. Celebram o Sol e o calor, que rapidamente as deixam prontas para o uso. São como bandeiras tremulantes, coloridas, festivas, representativas. Expõem ao mundo as características e gosto de quem as veste, sugerem o que fazem, como vivem, em quê trabalham.

E o que me vem à mente são imagens simples. Quando vejo uniformes de trabalho, por exemplo, como macacões de fábrica, encardidos de graxa, visualizo um rapaz bem jovem, que chega do turno exausto, come a janta que a mãe deixou no forno e vai dormir. A mãe, na manhã seguinte, bem cedo, precisa escovar a roupa antes de colocar na máquina de lavar.

Ainda vejo muitos varais enfeitados por fraldas de tecido (digo enfeitados, porque é lindo um varal de roupas de bebê). Fico surpresa ao saber que há mães que dão conta de fraldas branquinhas, as quais só ficam perfeitas de esfregadas à mão. Já presenciei essa cena muitas vezes, por isso é fácil imaginá-las no tanque, esfregando uma a uma e colocando de molho. Também vi dia desses um varal todo ocupado por roupas brancas. Lembrei minha mãe dando duro pra manter alvos os jalecos e calças da minha irmã, quando cursava odontologia. As que vi, não pude identificar: poderiam ser de qualquer profissional de quem se exija uniforme branco ou mesmo de uma família umbandista.

Quantas viagens me rendem os varais! Calcinhas coloridas, de todos os tamanhos, calcinhas bege, sempre grandes; uniformes completos de time de futebol; meia dúzia de abadás laranja; toalhas de mesa de festa; um varal inteiro só de panos de prato confeccionados em pano de saco, bordados e embainhados em tricô - limpíssimos; toalha do Shrek; roupa de cachorro muito pequenininho (poderia ser roupa de boneca, quem sabe?); uma coleção de bonés; um vestido de noiva (esse eu vi do carro, esvoaçante, num terraço à margem da rodovia, e me lembrou da lenda da mulher de branco); uma fantasia do Capitão América, de adulto; sapatilhas de bailarina penduradas pelas fitas; xuxinhas de amarrar o cabelo; um chapéu de vaqueiro.

Na minha infância não tínhamos varais de corda de nylon, nem pregadores. Eles eram de arame farpado, no qual as roupas agarravam em caso de vento, e suspensos e sustentados por varas de bambu compridas para que ficassem bem altos. Alguns incidentes de vez em quando eram inevitáveis, como puxar a roupa rápido quando chovia, imagina. Os pregadores de madeira chegaram em casa depois. E mais tarde, minha irmã, que morava no Rio, nos apresentou a novidade: os pregadores de plástico, que não apodreciam e não sujavam as roupas.

Perambular pelas ruas da cidade, de carro ou a pé, e deparar com varais dançantes ao vento me trazem sempre esse sentimento de nostalgia. É o que me que me acomete diariamente ao cair da tarde, naquela hora que chamamos de lusco-fusco. Não está mais claro, mas a noite não caiu de todo. E nesses dias de verão e céu limpo, recordações me arrebatam e se aglomeram na mente, ao passo que me arrancam suspiros de saudade de nem sei.


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Imagem: www.corbisimages.com

Um comentário:

  1. Giovana, belíssima crônica!
    Ah como tenho saudades de varais, quanto eles nos contam, nos ensinam.
    Parabéns!

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