Não eram a mesma!
Conto, por Wellington Souza
As personagens:
Um uísque, Dois chopp.
Um convidado e ex-parceiro, Dois anfitrião e ex- marido.
Cena 1: o Dois consegue marcar um bate – papo com o um, através de um amigo em comum, em um café no baixo Leblon, Rio de Janeiro.
Dois: – E então, foi ela quem deixou a ti?
Um: – Não. Nem eu a deixei. Ficamos sem nos falar por umas duas ou três semanas, não me lembro... daí foi-se apagando...
– Motivo?
Um: –... não, sem motivos. Transamos e fomos embora, sem mais delongas. Daí ela não me ligou, também não liguei. Acho que ela me ligou para eu passar alguns arquivos que tenho, com a obra completa do Machado em ebooks... Garçom, Uísque e um copo com águá-de-coco, por favor.
– Chopp. Nossa, onde você arrumou isso? Estou precisando...
Um: – Te passo...
– ...você passou para ela? Deixa que peço para ela. Pretexto...
Um: – Não falou pelo telefone que não ligaria?
– Para choramingar, não. Mas a coleção do Machado em versão digital... Enfim, dizia que ela te ligou.
Um: – Sim, ou eu liguei... Mas só sei que não se pôde marcar nada para os próximos dias, então enviei o arquivo, e desse telefonema seguiu-se mais umas duas semanas, quando a encontrei em uma peça no SESC. Daí ficamos de marcar algo.
– Isso é um último suspiro. uma agonia...
Um: – É. Nunca mais a vi. Escuta, é “Aquela mulher ¹”, do Chico tocando. Outro uísque, por favor, e outra água-de-coco também.
– Não conheço essa música. E me fala, acabou assim? Para mim mais um chopp, por favor.
Um: – Não colocaria começo nem fim em nossa relação... se é que trepadas aleatórias pode ser chamada de relação.
– Ela me trocou por isso?
Um: – Acho que ela não te trocou... não foi como meninas trocam bonecas durante a infância, e sim como as largam na adolescência.
– Obrigado... Animador.
Um: – Minha amizade com ela envolvia sexo despudorado, conversa sobre teatro e literatura, porres, às vezes dávamos “um tapinha”...
– Maconha?!
Um: – ...e algumas viagens à serra. Penso que éramos como uma árvore e uma trepadeira: há uma simbiose, apenas, sem descendentes férteis. Bom, o caso de vocês me parece muito com o dos gatos...
– dez anos juntos, ou quase. Você perdeu essa mulher. mas agora estou com outra também, que não amo e que não me chupa. Estamos nos enganando, pois juramos ter relacionamento sério... Ela te chupava? Ela falava palavrão na casa dos meus país e não me chupava! não entendo.
Um: – Sim. Mas não vou falar o que nós dois fazíamos no quarto... mesmo porque nem sempre éramos Dois...
– Ah!?
Um: – Mas ela falava palavrão? Perto de mim nunca, só no transito, na cozinha e na cama... pendo bem, até que falava bastante...
– Sabia que tinha mudado, mas isso?
Um: – Mudamos, todos. Dez anos cotidianos requerem mudanças drásticas ao meu ver... A alegria dela nos nossos primeiros meses era de uma gota d’água que vence a represa e, liberta, quer ir de uma margem à outra, sair do delta e dar na nascente, depois descer de novo gozando a correnteza... E assim foi descobrindo... se descobrindo em todos os sentidos, foi se desvinculando de algumas cruzes, desvendando outras...
– E eu com uma que nem me chupa... Ela me ligou tempo atrás, mas saber como que as coisas estavam, falei que bem. Falei da outra, mas que minha mãe ainda preferia ela e seus palavrões. Ela riu. Falou que estava sem ninguém, e bem por isso. Estava pensando em tudo com outros olhos, literalmente. Vendo tudo e todos com outro ponto de vista...
Um: – Mas estava...
– Vendo e fazendo tudo com todos! E eu acreditei nela... A mulher que eu amei se perdeu numa crise pessoal... e nós nunca fomos ao teatro. Talvez eu não a conhecesse por trás na máscara. Achava que a leitura era só um hobby. Cheguei a achar alguns poemas dela, mas eram tão bestas que não botei nenhuma fé em sua vertente artística... Garçom, outra cerveja. Nem íamos a eventos artísticos...
Um: – Para mim o mesmo, por favor. Ela também nunca me mostrou seus poemas... até falou que queria escrever, mas iria estudar mais... ler. Você falando percebi que realmente ela tinha os seus mistérios, segredos. Ela falou que parou de roer unhas por esses tempos, segundo ela a unha é a garra na qual a mulher agarra seus sonhos...
– Sempre falei algo parecido para ela, mas nada que a convencesse a parar de roer. Ela falava que era como fumar, ou parecido.
Um: – E ela as pinta quase sempre em tom escuro...
– Eu falei! Sempre tive tesão em mulher com esmalte escuro. Quando a conheci estava assim. Depois veio a mania de roer as unhas. Tinha também a mania de ficar tremendo a perna direita enquanto via tevê ou lia.
Um: – Isso nem reparei... Ela citou que, quanto nova, usava unas postiças...
– Eram postiças!? Vou tentar voltar com ela. Vou lhe prometer companhia em teatro, cinemas, cafés. Um filho. Uma viagem a Paris...
Um: – Vai choramingar...
– Não! Tenho um amigo em uma editora. Falarei que roubei um poema dela e dei para ele ver, que ele gostou e quer ver mais... que talvez publique.
Um: – Não vou deixar você fazer isso com ela...
– Mas ela é mulher, esta é a profissão dela, ganha muitas coisas com isso. Será só mais um pagamento.
Um: – Por esse lado... de qualquer forma não custa tentar. Com esse contato, verá que ela é outra mulher.
– Verei. Com isso me aproximarei dela... a reconquistarei!
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Cena 2: Encontro por acaso entre o Dois e o um, no embarque da ponte aérea Rio – São Paulo, no Rio de Janeiro.
Um: – Olá!!
– Oi.
Um: – Aqui se encontram mais conhecidos do que nas praias e nos funerais!
– Pois é.
Um: – Estão chamando nosso vôo, já.
– Estão.
Um: – Mas e ai, deu certo o plano, ela te deu? Voltaram?
– Por umas semanas sim. Depois ela passou a dar pro amigão editor.
Um: – Xii, então ela te eliminou como intermediador de um serviço temporário?
– Engraçado. Lançará o livro mês que vem, acho.
Um: – Xiiii, estarei em Londres. Mas se a vir, fale que mandei parabéns e um abraço.
Um uísque, Dois chopp.
Um convidado e ex-parceiro, Dois anfitrião e ex- marido.
Cena 1: o Dois consegue marcar um bate – papo com o um, através de um amigo em comum, em um café no baixo Leblon, Rio de Janeiro.
Dois: – E então, foi ela quem deixou a ti?
Um: – Não. Nem eu a deixei. Ficamos sem nos falar por umas duas ou três semanas, não me lembro... daí foi-se apagando...
– Motivo?
Um: –... não, sem motivos. Transamos e fomos embora, sem mais delongas. Daí ela não me ligou, também não liguei. Acho que ela me ligou para eu passar alguns arquivos que tenho, com a obra completa do Machado em ebooks... Garçom, Uísque e um copo com águá-de-coco, por favor.
– Chopp. Nossa, onde você arrumou isso? Estou precisando...
Um: – Te passo...
– ...você passou para ela? Deixa que peço para ela. Pretexto...
Um: – Não falou pelo telefone que não ligaria?
– Para choramingar, não. Mas a coleção do Machado em versão digital... Enfim, dizia que ela te ligou.
Um: – Sim, ou eu liguei... Mas só sei que não se pôde marcar nada para os próximos dias, então enviei o arquivo, e desse telefonema seguiu-se mais umas duas semanas, quando a encontrei em uma peça no SESC. Daí ficamos de marcar algo.
– Isso é um último suspiro. uma agonia...
Um: – É. Nunca mais a vi. Escuta, é “Aquela mulher ¹”, do Chico tocando. Outro uísque, por favor, e outra água-de-coco também.
– Não conheço essa música. E me fala, acabou assim? Para mim mais um chopp, por favor.
Um: – Não colocaria começo nem fim em nossa relação... se é que trepadas aleatórias pode ser chamada de relação.
– Ela me trocou por isso?
Um: – Acho que ela não te trocou... não foi como meninas trocam bonecas durante a infância, e sim como as largam na adolescência.
– Obrigado... Animador.
Um: – Minha amizade com ela envolvia sexo despudorado, conversa sobre teatro e literatura, porres, às vezes dávamos “um tapinha”...
– Maconha?!
Um: – ...e algumas viagens à serra. Penso que éramos como uma árvore e uma trepadeira: há uma simbiose, apenas, sem descendentes férteis. Bom, o caso de vocês me parece muito com o dos gatos...
– dez anos juntos, ou quase. Você perdeu essa mulher. mas agora estou com outra também, que não amo e que não me chupa. Estamos nos enganando, pois juramos ter relacionamento sério... Ela te chupava? Ela falava palavrão na casa dos meus país e não me chupava! não entendo.
Um: – Sim. Mas não vou falar o que nós dois fazíamos no quarto... mesmo porque nem sempre éramos Dois...
– Ah!?
Um: – Mas ela falava palavrão? Perto de mim nunca, só no transito, na cozinha e na cama... pendo bem, até que falava bastante...
– Sabia que tinha mudado, mas isso?
Um: – Mudamos, todos. Dez anos cotidianos requerem mudanças drásticas ao meu ver... A alegria dela nos nossos primeiros meses era de uma gota d’água que vence a represa e, liberta, quer ir de uma margem à outra, sair do delta e dar na nascente, depois descer de novo gozando a correnteza... E assim foi descobrindo... se descobrindo em todos os sentidos, foi se desvinculando de algumas cruzes, desvendando outras...
– E eu com uma que nem me chupa... Ela me ligou tempo atrás, mas saber como que as coisas estavam, falei que bem. Falei da outra, mas que minha mãe ainda preferia ela e seus palavrões. Ela riu. Falou que estava sem ninguém, e bem por isso. Estava pensando em tudo com outros olhos, literalmente. Vendo tudo e todos com outro ponto de vista...
Um: – Mas estava...
– Vendo e fazendo tudo com todos! E eu acreditei nela... A mulher que eu amei se perdeu numa crise pessoal... e nós nunca fomos ao teatro. Talvez eu não a conhecesse por trás na máscara. Achava que a leitura era só um hobby. Cheguei a achar alguns poemas dela, mas eram tão bestas que não botei nenhuma fé em sua vertente artística... Garçom, outra cerveja. Nem íamos a eventos artísticos...
Um: – Para mim o mesmo, por favor. Ela também nunca me mostrou seus poemas... até falou que queria escrever, mas iria estudar mais... ler. Você falando percebi que realmente ela tinha os seus mistérios, segredos. Ela falou que parou de roer unhas por esses tempos, segundo ela a unha é a garra na qual a mulher agarra seus sonhos...
– Sempre falei algo parecido para ela, mas nada que a convencesse a parar de roer. Ela falava que era como fumar, ou parecido.
Um: – E ela as pinta quase sempre em tom escuro...
– Eu falei! Sempre tive tesão em mulher com esmalte escuro. Quando a conheci estava assim. Depois veio a mania de roer as unhas. Tinha também a mania de ficar tremendo a perna direita enquanto via tevê ou lia.
Um: – Isso nem reparei... Ela citou que, quanto nova, usava unas postiças...
– Eram postiças!? Vou tentar voltar com ela. Vou lhe prometer companhia em teatro, cinemas, cafés. Um filho. Uma viagem a Paris...
Um: – Vai choramingar...
– Não! Tenho um amigo em uma editora. Falarei que roubei um poema dela e dei para ele ver, que ele gostou e quer ver mais... que talvez publique.
Um: – Não vou deixar você fazer isso com ela...
– Mas ela é mulher, esta é a profissão dela, ganha muitas coisas com isso. Será só mais um pagamento.
Um: – Por esse lado... de qualquer forma não custa tentar. Com esse contato, verá que ela é outra mulher.
– Verei. Com isso me aproximarei dela... a reconquistarei!
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Cena 2: Encontro por acaso entre o Dois e o um, no embarque da ponte aérea Rio – São Paulo, no Rio de Janeiro.
Um: – Olá!!
– Oi.
Um: – Aqui se encontram mais conhecidos do que nas praias e nos funerais!
– Pois é.
Um: – Estão chamando nosso vôo, já.
– Estão.
Um: – Mas e ai, deu certo o plano, ela te deu? Voltaram?
– Por umas semanas sim. Depois ela passou a dar pro amigão editor.
Um: – Xii, então ela te eliminou como intermediador de um serviço temporário?
– Engraçado. Lançará o livro mês que vem, acho.
Um: – Xiiii, estarei em Londres. Mas se a vir, fale que mandei parabéns e um abraço.
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Créditos da imagem:
Cerveja + Campari, por Camila
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