I Concurso Literário Benfazeja

Onomatopeia



Conto, por Rosane Tesch


O dia é de muita chuva e, já na entrada, guarda-chuvas se esbarram na subida das escadarias do Teatro Municipal. Muitos aguardam seus pares ansiosos pela chegada, que pode acontecer tarde demais.



“É proibida a entrada após o início do espetáculo”.

Uma jovem encontra-se de pé, junto à porta, com seu chapéu gigantesco, mas que não é capaz de conter as espirradelas de água disparadas por um senhor de humor semelhante ao abrupto fechar de seu guarda-chuva preto. No foyer, ninguém percebe o quanto cada um está tentando entrar deixando o máximo possível de água do lado de fora. Outros respingos se espalham pelo chão.

Após uma rápida subida de escada, é possível ver um pouco mais adiante uma porta que dá acesso ao Café.

“Proibido o ingresso na sala de espetáculos portando alimentos ou bebidas”.

Muitos saquinhos de balas são comprados e apenas alguns cafés consumidos.

Toca o terceiro sinal. O senhor já está aguardando em seu lugar habitual. A jovem se apressa para não perder o início de sua Ópera preferida, pensando que a concentração dos cantores e dos músicos da orquestra jamais pode ser quebrada por ruídos inoportunos ou descuidados.

Alguns minutos passados do início do espetáculo.

- Atchim! Espirra uma senhora na plateia.

- Shhh! Retrucam de vários pontos da magistral sala de espetáculos os atentos espectadores.

O senhor que a acompanha estende-lhe rapidamente um lenço, apoiando uma das mãos sobre seus ombros, parecendo tentar protegê-la.

No palco, as cenas são de muita emoção e os cantores-atores, cada qual em seu momento particular, vão merecendo, um a um, aplausos a cada ária executada. Para alguns os aplausos somente deveriam ser dados nos intervalos, mas há quem pense que a emoção não precisa ser contida apenas em nome da boa formação. Seria o aplauso programado apenas para não permitir constrangimentos?

- Shhh!

- Vai entender. Sussurrou alguém ao pé do ouvido de quem estava próximo. – Shhh! faz muito mais barulho que um espirro sem querer.

Chega o intervalo. Aplausos entusiasmados espelham a satisfação de todos.

- Muito bom!

- Bravo!

- Que tal uma água? Talvez um café para despertar um pouco.

- Ele estava ótimo! - Ela é divina! - Que voz primorosa...

Aplausos para o Maestro.

O espetáculo recomeça. Há um novo intervalo. Há um novo recomeço.

Num tom suave um grito ao fundo: Bravo!

Ao final, o triunfo de uma grande Orquestra. Para a jovem a última música é das mais belas que já ouviu. Ela tem uma leve pausa para...

Aplausos, aplausos, aplausos...

O público, extasiado, não se contém.

A música continua, é preciso findar a apresentação.

Aplausos de pé.

O retorno ao palco se repete por três longos instantes.

É hora de sair. Todos. Ainda extasiados.

- Que absurdo! Esses ignorantes destruíram o espetáculo. Aplausos burros. Não sabem ouvir a música, esperar os intervalos certos para aplaudir sem desconcentrar os artistas. Gente ignorante. Não entendem nada de música, muito menos de Ópera.

Um guarda-chuva preto aberto indelicadamente sai do Teatro descendo as escadarias sem perceber que a chuva já havia cessado, sem ter falado, sem ter comido, sem ter aplaudido, sem ter-se extasiado, mas em paz com a consciência de um grande entendido.

Bravo!

*

Créditos da imagem: Olhares.com
Orquestra Sinfônica do Paraná, por Marly

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