I Concurso Literário Benfazeja

Pesquisa de boteco



Crônica, enviada por Simone Faria.


A garota entrou no boteco, passeou os olhos nas pessoas e, de imediato, identificou os dois. “São eles – são perfeitos”. Passos decididos, chegou até a mesa dos dois e soltou um “oi, tudo bem? posso sentar com vocês um pouco?” e sem esperar resposta, puxou uma cadeira e sentou.



Os dois olharam pra ela por trás de uma nuvem de álcool, cuja prova irrefutável eram as mais de dez garrafas de cerveja esvaziadas que estavam na mesa.

Garotona, cabelão, queimada de praia, faixa de 20 e poucos anos, com uma blusa que deixava o umbigo à mostra, mochilão e um baita sorriso escancarado.

Os bêbados ficaram esperando o que vinha a seguir. “Sabe o que é? eu tô fazendo uma pesquisa pra faculdade e achei legal ouvir algumas pessoas comuns assim que nem vocês...”

“Pessoas comuns, o cacete! a gente tá aqui quieto, curtindo nossas louras geladas e vem você com esse papo de pesquisa e ainda chama a gente de ‘pessoas comuns’? qualé? “

“Não, olha só, é que eu sou estudante de Sociologia e tô fazendo a pesquisa pra saber como as pessoas vêem a atual situação política no mundo! É só isso. É rapidinho, demora nada, são só umas perguntinhas...”

O outro bêbado, calado até agora, disparou; “Manda aí – escreve: ‘o mundo tá uma merda!’ M-E-R-D-A ( soletrando ). Escreveu? pronto; agora cê já sabe a nossa opinião – toma teu rumo”

“Não, pêra aí...eu preciso fazer umas perguntas e aí vocês respondem...”

"Meu amigo já respondeu – ‘tá uma merda’! qual foi a parte da palavra MERDA que você não entendeu? tá fazendo faculdade mermo? tem certeza? porque olha só ( nessa hora ele puxou a cadeira mais pra perto dela e o bafo de álcool virou uma segunda pele pra ela ) – até eu que sou uma pessoa comum ( foi disso que cê chamou a gente...) entendi a resposta dele!! M-E-R-D-A! cacete!! cê vai na aula, garota? queimada desse jeito....sei não...”

“Mirmã, negócio seguinte: são 5 da tarde, a gente já tá de porre e pretende continuar... vai procurar mais gente comum pra tu encher o saco porque o nosso já explodiu. A gente tá aqui discutindo o jogo de domingo, se vai ter churrasco depois e tu vem com essas besteira de situação no mundo?? Acorda menina!! presta atenção: (dedo apontado na cara dela ) desde que o mundo é mundo, todas as noites, em todas as mesas de botequim, no mundo todo (ele escancarou os braços... e tome bafo de álcool...), todos os problemas e as situações no mundo são resolvidos. Se toca. Essa porcaria de pesquisa vai dar em nada. Vai ser mais uma porra de montoeira de besteira só pra encher lingüiça... ah! e o nosso saco, também... Faz assim: esquece essa merda de pesquisa, fica aqui, toma umas geladas com a gente e ajuda a resolver se vai ou não vai ter churrasco... porque no fundo, mirmã, isso é o que interessa... o mundo?? que se exploda!! Tem futebol, tem cerveja, tem churrasco?? então tá beleza! cai na real...”

A garota olhou os dois, deu uma risada e soltou: “sabedoria de botequim é melhor que qualquer sala de aula! vamos à cerveja! agora me fala direito dessa história do churrasco... vai rolar onde..?”


*
A autora
Simone Souza de Faria, carioca - advogada e professora universitária com Mestrado em Direito Penal Internacional.
Iniciando como cronista e alguns passos muito pequenos em poemas simples: http://textosepretextos2010.blogspot.com/

*
Créditos da imagem:
Vida boa..., por Rafael Fernandes De Castro Abrantes Ferrão

Nenhum comentário