I Concurso Literário Benfazeja

Apresentando Dedé



Crônica, por Mariana Collares.

Se eu posso agradecer por algo neste ano, certamente agradeço à Dedé.

Antes dela, a casa era mais triste, as pessoas menos ternas, menos pacientes.

Antes da Dedé, todo mundo passava discutindo coisas chatas e desimportantes, ou assistia mais TV, comia qualquer coisa entre um programa e outro, falava muito ou gritava mais.

Dedé, desde que chegou, fez-se criança. A única, ou a derradeira.

Passou a ser a proeza da casa, a mais ativa, a mais atrapalhada e a que faz rir como ninguém.

Dedé ensinou à minha mãe a brincadeira da bolinha, a meu pai a rir gostoso de suas gracinhas, a meu irmão a brincar de ternura. Mal sabia eu que, um dia, veria minha mãe dando banho na Dedé com um tal carinho que só vi nos tempos de criança, quando nos embalava ou contava histórias, ou então quando nos reunia na sala da casa com papel e cola Tenaz para brincarmos de fazer mosaicos com pétalas de rosa. E eu devia ter uns três anos... Não mais.

Dedé trouxe de volta a nossa infância mixada num carinho de pai, mãe e irmão que há tempos não via.

Ela uniu, em torno de um ser comum - ela mesma - a doçura que um dia foi embora num natal longínquo, quando uma árvore toda enfeitada foi jogada pela janela do apartamento do terceiro andar e espatifou os nossos sentimentos.

Dedé chegou num dia de chuva, ensopada até o último pêlo, e magra e tristonha. E foi trazida num táxi por minha mãe depois que ela a olhou, silenciosamente, do alto do seu mundo-cão, e não pôde sequer chorar - sem forças que estava.

Dedé é marrom-estranho, tem o pêlo meio confuso, gosta de sentar perto da gente colocando as patinhas em cima de nosso colo, como para dizer: “Nunca me deixe, tá”?.

Ultimamente anda brincando com os passarinhos das árvores do pátio, e dia desses quase matou um de susto, quando latiu. Acho que, de tanto pegar sereno, quando ainda morava na rua, faltou-lhe a voz e então saiu um 'sonzinho' meio música, algo sustenido em dó-de-si e sem graça, que o bichinho certamente teve pena de ouvir.

Dedé agora faz dieta para emagrecer. E leva minha mãe para passear todos os dias. Depois volta, espreguiça-se, lentamente, na soleira da porta, entra, bebe água do tacho, dá duas voltas em torno do abacateiro e deita-se em cima do tapete da entrada da cozinha. Fica ali até a hora em que decide ir para a sua casinha, para se amontoar em cima dos paninhos que são só dela.

Desde que chegou, só reclamou uma vez: quando foi para a “pet” tomar o primeiro “banho administrativo”. Arrumou briga com uns cinco cachorros e foi jurada de morte por um Pit-Bull. Desde então, decidiu que, banho, só o que minha mãe lhe dá, após o qual sai andando, dá duas voltas em torno do abacateiro e se esfrega toda na terra preta, ante os gritos da minha mãe e as risadas de meu irmão. Meu pai não fala. Olha-a e resmunga baixo. Depois a pega, a conduz pela coleira, molha-a de novo, e a ensaboa com shampoo, e a seca inteira com a toalha, depois com o secador de cabelo, e tem que convencê-la a se deixar limpar e secar dando-lhe na boca biscoitos recheados de limão a cada 3 minutos. Por isso a dieta da Dedé...


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4 comentários:

  1. Pêlos meio confusos é fantástico. Essa expressão é uma pepita de ouro. Vou roubar para mim. =)

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  2. Roubartilhe, Diogo! Ou use apenas. As palavras nunca serão minhas ou tuas ou de quem quer que seja. :) Abraços! Mari

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  3. Nunca. No máximo, podemos fazer amor com elas. Depois sair indiferentes pra tomar uma coca-cola na esquina. =)
    Quero escrever um poema só para poder me divertir esfregando a cabeça em pêlos confusos.

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