I Concurso Literário Benfazeja

O coração de Teresa



Conto, por Camila Heloíse.

Lembro-me de que os olhos de Teresa eram expressivos e as suas mãos eram pequenas. Tinha o maior coração que já conheci, e com certeza, que irei conhecer.


Carregava nas costas mais do que dores e mágoas, ela levava consigo uma coragem que escapava dos olhos no jeito com que olhava para o mundo. Suas palavras eram firmes e duras, mas recheadas de uma doçura em que era preciso muito amor e os olhos fechados para entender e sentir.

Era uma mulher de risadas fartas e grandes lições. Talvez não parecesse, mas gastava seus dias tentando nos ensinar sobre a felicidade. Sentava perto das flores todo fim de tarde e repetia aquelas palavras como um mantra:

- Não reclame, não questione. Eu sei e você também sabe: temos muita coisa para agradecer.

Então nós não reclamávamos. Nem eu e nem meu irmão. Não questionávamos também, embora não soubéssemos ainda o que tínhamos tanto a agradecer.

Teresa dava vontade de impressionar, só para sentir mais um pouco a sua aprovação e ver seus olhos contentes e realizados. Aquele olhar de contentamento abria as portas do céu, enchia nossos pulmões devagar com um ar sempre novo. Ela sabia sempre a hora certa de falar. E falava também com um silêncio que tudo dizia; um olhar que tudo explicava e um abraço que sanava qualquer dor.

Com suas cicatrizes visíveis, Teresa ensinava que era preciso ter fé - além de sabedoria, e coragem para lidar com as dores que a vida, o tempo e as escolhas nos traziam. Não havia sangramento que resistisse às suas orações.

Nunca nos contou sequer um dos motivos para as cicatrizes que não estavam expostas. O que sabíamos é que um sofrer absoluto morou ali, mas sua fé bonita não permitiu que criasse raízes.

- A gente precisa aprender a guardar as mágoas no mais profundo do nosso íntimo e deixá-las ali. Visitá-las só quando estivermos sozinhos e sempre manter um sorriso nos lábios. Nossa boca não é vitrine para a dor, nela só devem morar os nossos sorrisos.

O coração de Teresa era grande, tanto que pareciam dois. E crescia ainda mais a cada instante. Queria dominar o mundo, queria acolher a todos. Queria pulsar para sempre. Mas um dia, no meio do caminho, ele parou. O grande coração de Teresa simplesmente parou.

Não há nada que se compare a um coração que deixa de bater. Um milhão de sonhos que param naquele instante, um amor que será apenas um eco. Uma mão que estará para sempre ausente, um olhar tão distante a ponto de não ser mais notado. A vida toda se esvaindo lentamente.

Éramos pensamento e silêncio.

O silêncio sabe ser ensurdecedor e dizer coisas que nem mesmo as palavras conseguem. Às vezes, a ausência da fala é mais violenta do que um grito absurdo. Mas o silêncio também acolhe e salva. É o jeito mais sincero de dizer ao coração que o entende. Fazer silêncio era respeitar a falta dela e nos respeitarmos.

Nosso silêncio durou dias que pareciam séculos. Uma vontade de culpar alguém pela morte de Teresa. A dor tem esta estranha forma de se manifestar. Precisamos depositar a frustração da nossa perda em outra pessoa porque ‘perder’ é (sempre) um fardo que pesa muito além do que nossos ombros suportam.

A saudade ardia por causa da chuva, do sol, das rosas novas do jardim. Tudo se tornava motivo para cada um questionar seu próprio deus. Quando a respiração ficou mais fácil, dava para perceber que as lições de Teresa estavam espalhadas por todos os cantos da casa. Foi o jeito que ela encontrou de viver para sempre.

E ali, no fundo do peito, finalmente a gente sabia – tínhamos muita coisa para agradecer.

*

Imagem retirada do site We Heart It

Nenhum comentário