I Concurso Literário Benfazeja

Eu paro






Quando caminho em noites de Lua cheia sinto um prazer paralelo ao da endorfina correndo meu corpo. Ao virar para tomar o rumo de volta, dou de cara com ela, subindo, enorme, alaranjada, soberana. Nos trinta minutos em que percorro a orla do Paraíba - vulgarmente conhecida como Beira-rio - retornando ao ponto de partida, quase não desprego os olhos dela. Ando com a cabeça para cima, ávida por não perder nem um segundo daquele esplendor que só eu vejo.

Sim, eu paro pra ver a Lua. Eu paro pra admirar o por do sol. Eu paro diante do efeito do vento em uma árvore. Eu dedico meu tempo a observar o passarinho cantando em cima do muro. Eu dirijo devagar pra contemplar o dia, a cidade, as pessoas. Eu interrompo a caminhada para apreciar a vegetação refletida no rio na margem oposta.

Aprendi uns anos atrás que quando a gente não para o corpo, o corpo para a gente. Ensinamento que a vida ofereceu e absorvi porque estava a fim de viver. E viver, pra mim, deixou de significar “correr atrás” e passou a significar “correr para trás”. Tirar o pé do acelerador, buscar serenidade ao invés de ansiedade, descanso da alma no lugar da exaustão física e emocional.

Tenho a impressão de que só eu vejo a Lua porque olho em torno e ninguém faz o mesmo. Nem que esteja andando à toa na orla do Paraíba, sentado no banco da praça, parado num ponto de ônibus ou simplesmente fazendo nada. Ninguém levanta os olhos, ninguém desvia sua atenção, ninguém se desvia das obrigações terrenas nem que seja por uns instantes. Nada tenho a ver com os impedimentos que levam as pessoas a não verem o mundo acontecendo ao seu redor. É que fico triste pelo que elas perdem. E me dá vontade de tocá-las e dizer: “Olha a Lua, que linda está hoje! É Lua cheia, já viu que beleza?”.

Trabalho num campus universitário, onde anos atrás foi a sede de uma fazenda cafeeira. Centenas de árvores rodeiam os prédios administrativos e de salas de aulas. Na Primavera, as cigarras invadem aquele lugar e entoam cantoria em coro. Fico tão fascinada que gravo; às vezes em vídeo, às vezes somente em áudio. Em certa manhã, o canto delas era tão alto, que parei pra saber de onde vinham todas aquelas ‘vozes’ de uma só vez. Numa única árvore era possível visualizar dezenas delas, andando pra lá e pra cá e cantando sem trégua. Passei longos minutos ali, apreciando. Quando baixei os olhos, dei de cara com um grupo de pessoas que me espiavam com ar de contrariedade. Imaginei que pensassem: “O que essa doida está vendo?” ou “Que perda de tempo!”.

Sem contar o comentário que recebi, in box, sobre um dos VTs que postei na rede social: “É bonito, mas enche o saco.”.

Realmente enche o saco de quem não pode parar de correr, não pode perder o foco. Torra a paciência dos que precisam atingir as metas e por isso ingerem dúzias de remédios para suportar a pressão.

Num desses dias em que as cigarras cantavam em coro, estava na copa da sala onde trabalho. Enquanto olhava a janela e tentava saber de onde vinha o som, atrás de mim almoçava nosso colega, surdo. Queria, naquele momento, comentar com alguém: “Que lindo!”, porém só tinha ele ao meu lado e não poderia me ouvir. Foi quando me dei conta de que também não poderia ouvir as cigarras. Ele jamais vai poder conhecer aquele som. Não terá a oportunidade de se encantar. Nem de ficar de saco cheio.

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Imagem: http://www.corbisimages.com/

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