I Concurso Literário Benfazeja

Nosso lado B (e C, D, E...)




Eu tenho me distraído pesquisando sobre serial killers. Tudo começou quando resolvi acompanhar a série Dupla Identidade, da Globo, e fiquei encantada com a complexidade do personagem principal, Edu (Bruno Gagliasso): o típico “bom garoto”: simpático, prestativo, educado, amável, culto, atencioso, carinha de anjo, até ajuda suicidas através de atendimento telefônico, já que é estudante de Psicologia. Também é humilde (mas sabe de seu potencial), amigo, bom parente, bom vizinho, bom funcionário. E ainda bonito e charmoso. Você o teria como amigo, namorado, filho. E, além disso, Edu também é...

...Um frio e cruel serial killer. Inspirado nos maiores serials da História, como Ted Bundy (um tipo de alter-ego), o Maníaco do Zodíaco (que nunca foi descoberto), aquele que amarrava cada vítima de um jeito (não me recordo de seu nome), e outros mais que estamos aguardando para saber...

Mas e daí? E daí que eu me lembro também de Jeffrey Dahmer, o Canibal de Milwaukee: aquela cara de nerd, bom filho, pacato trabalhador de uma fábrica de chocolates, calmo, educado, culto, articulado. Matou 17 garotos, praticou necrofilia, esquartejou seus corpos, comeu partes deles, inclusive o coração, guardava retalhos humanos no congelador. Uma cabeça humana em decomposição o excitava. Quem suspeitaria de Jeffrey Dahmer?

Ted Bundy. Que tem muito em comum com nosso brasileiro Eduardo Borges, do seriado. Brilhante advogado, aspirante a político, estudante de Psicologia, bonito, charmoso, educado, culto, prestativo, simpático, encantador. Se você procurasse um amor, cairia fácil na lábia dele. Matou cerca de 30 mulheres (ele alegou que “faltava um zero atrás”). Estuprava, aterrorizava, mutilava, matava. Todas semelhantes, fisicamente, a um amor perdido na adolescência e nunca superado, morenas com o cabelo comprido repartido no meio. Nem sua namorada de vários anos desconfiou. Nem sua mãe. Nem seus amigos. Ele defendeu a si mesmo no tribunal, e por 13 anos adiou sua execução, que ocorreu na cadeira elétrica em 1989. As mulheres disputavam sua atenção nas sessões de julgamentos.

Mas ok, são tantos serials no mundo – quem sabe um perto de você –, mas o que isso tudo me leva a pensar é na assustadora capacidade humana de dissimular, esconder, fingir, ter um lado B (e um C, D, E...) de que ninguém desconfia. Todos nós temos nossos lados secretos, que são aquilo que fazemos quando ninguém está vendo. Que procedem de nossos mais recônditos pensamentos, os quais ninguém é capaz de imaginar – e se fossem, talvez nunca mais olhassem na nossa cara. Me lembro daquela música do Capítal Inicial:

O que você faz quando ninguém te vê fazendo
Ou o que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?

Pois eu acho que o que nos faz mais “nós mesmos”, é exatamente aquilo que fazemos quando ninguém está vendo e aquilo que pensamos e que ninguém sabe. Porque o resto é influenciado pela sociedade, pelos costumes, pelas circunstâncias, pelos que convivem conosco, por coisas previsíveis da vida. Mas nossa riqueza, como indivíduos – para o bem e para o mal – está em nossas insondáveis subjetividades, nossos indecifráveis (aos outros e até a nós mesmos) estímulos interiores, nossas vontades mais internas, nossos sentimentos mais incontroláveis, nossos amores e ódios e ideias “absurdas”.

É meio inquietante, para mim, pensar que qualquer um possa fazer qualquer coisa quando menos se esperar. Que nós mesmos possamos ser, em certo sentido, ameaçadores. Nós, “sobras” de nosso passado, pedaços de nosso presente e resquícios de nossos sonhos e de nosso futuro, emaranhados de pessoas que nem Freud explica.

Então nunca poderemos realmente conhecer alguém. Não sabemos o que pensa no mais fundo de sua alma, o que há por trás de cada sorriso, de cada olhar, de cada aperto de mão, de cada comportamento. E, principalmente, não sabemos o que cada um faz “quando ninguém está vendo”. Ou seja, quando pode ser realmente quem é. Quando fecha a porta do seu quarto. Quando liga seu computador de madrugada. Quando senta em um banco na praça. Quando toma um porre e sai com o carro na madrugada.

Ninguém é inocente.

Não que qualquer um possa ser um serial killer (embora até possa, pela lógica), mas qualquer pessoa pode ser qualquer coisa. A qualquer momento. Não confie em aparências. Não caia nessa tentação. Aprendamos a perceber o que não foi dito, o que não foi ouvido, o que não é óbvio. Como é difícil ver o que é sutil, às vezes! Aprendamos a perceber quem realmente somos, se é que isso é possível. A gente vive mudando.

O ser humano é encantador demais para não ser uma caixinha de surpresas inacreditáveis.


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Créditos da imagem: Psicose, o filme.
http://cinema10.com.br



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