I Concurso Literário Benfazeja

Poemas de Constelário






luz do dia: falsa ideia de claridade.
chega o momento de se saber
que quando o sol não mais ofusca
é que o céu se desnuda
e do firmamento outra verdade
longe – que deslumbra – desponta
na forma clara e alheia que têm as estrelas.



***



sequer o céu é sincero:

a estrela que cintila
não é a estrela que cintila,
visto que, na real,
imagem antiga.

o escuro que anoitece
não é o escuro que anoitece,
visto que, de onde vem,
já se fez brilho.

iria, eu, de volta,
fosse aceito,
a um céu do presente
em que uma estrela extrapolasse
ser mera brasa enganosa:
talvez, quem dera, farol
(visto que agora é lanterna traseira)
de um carro-tempo mais-que-perfeito.



***



olhos ao céu do fim de tarde,
preso no trânsito da metrópole,
vária, a primeira estrela que vejo,
(alguém – talvez também cansado do despertador –
me olhará de algum planeta à sua órbita?)

do sumo do próprio nome daquilo que vejo
(o constelário de signos apátridas é minha língua)
germina isso que se aventura além do filtro,
furando as nuvens, rompendo o púrpura
numa beleza que esse idioma não dá conta,
que só a raiz possibilita: desiderium.




***




sextante e astrolábio à mão,
os navegantes das caravelas
na intenção das terras distantes,
indicadas pelo céu estrelado:
toda uma geometria,
compassos e esquadros,
a abóbada celeste dividida,
esquadrias e quadrantes
pra firmar a confiança
no oceano oscilante.

olha! – dizem – terra à vista!
semear açúcar, algodão,
(este lugar ainda vai se tornar
um imenso canavial!
um imenso algodoal!)
extrair minérios,
construir impérios,
ano após ano,
erigir a civilização,
cujo intento maior: lucrar.

das nações surgidas por cá,
uma, que fez a América
em cima das guerras,
pensou: por que não alcançar
aqueles pontos cintilantes,
que antes serviam de guia
aos argonautas?
se fez, a partir de então,
do Cabo Canaveral
trampolim pro espaço sideral.

satélites,elites me espreitam,
será que já parcelam a passagem
(vinte milhões de dólares)
pra subir a seiscentos quilômetros,
orbitar na estação internacional,
inaugurar um nicho de mercado,
acenar pra rede social
e, se der, trazer como souvenir
um cinturão de asteróides
pra noiva da vez, trinta anos mais jovem?

o canto humano (anglo-saxônico)
já está across the universe,
mas há sons vindo de outras galáxias,
sons orquestrados, música!
serão companheiros de incógnita?
ou apenas o ruído de fundo
(fruído por ouvidos cruéis,
tal criança frente formigas em marcha)
de uma caixa de música
da qual a Terra é mero strass?





***




Anderson Lucarezi
(São Paulo, 1987) é formado em Letras pela USP. É autor de "Réquiem", livro vencedor do programa Nascente USP / 2011 e publicado em 2012 pela Editora Patuá. Desenvolveu pesquisa sobre a obra de Augusto de Campos e no momento dedica-se à tradução de poesia norte-americana.

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Créditos da imagem:
Estrelas, por Thiago Barcellan | Caruaru-PE

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