I Concurso Literário Benfazeja

Zona morta



Conto para a seção Fantásticos, por Cláudia Banegas.


"Curiosamente, nunca mais dormi."

Marquei com o pessoal embaixo da minha janela por volta de meia noite. Já passava de uma da manhã quando me dei conta da realidade: eles estavam atrasados! Nada me deixava mais irritado do que gente atrasada. Fiquei lá, no parapeito da janela, esperando... até que a turma enfim, apareceu. Me enviaram um sinal e eu desci pela escada que fiz com meus lençóis. Eu sabia que se minha mãe descobrisse minha fuga, estaria morto. Meus pais estavam vendo TV e geralmente dormiam fazendo isso, não dariam falta de mim se eu voltasse antes do amanhecer. Reclamei com a turma do atraso e eles pediram desculpas, disseram que o Paulo teve problemas para sair de casa. Entrei no carro e saímos dali.

Ninguém sabia ao certo para onde iríamos, porque isso ficava sempre por conta do Carlos. Cigarros distribuídos, fomos contando piadas até chegarmos ao nosso destino. Descemos do carro em um lugar perto do lago. O céu estava estrelado, e uma brisa leve estremecia as folhas das árvores. De repente isso me pareceu meio assustador, mas não comentei nada, iam acabar me zoando. Coloquei a mão no bolso e vi que tinha levado meu celular. Também não comentei. Iam me chamar de criança. De lado, dei uma olhada e vi o João se agarrando com a Lisa. Não sei porque, isso me irritou. Tínhamos fugido pra curtir a noite, o lance da coisa proibida, não para tirar sarro...! Eles continuaram, sem se importar com a gente. Me aproximei do restante da turma; começamos a papear, enquanto acendíamos uma fogueira. Começamos a beber umas cervejas, e de repente, pensei ter visto algo no meio do mato. Ninguém falou nada, então achei que tinha sido impressão minha, mas segundos depois, a coisa se mexeu no meio do mato novamente. Confesso que fiquei assustado. E se fosse um maníaco, com uma arma, e rendesse a gente? Se nos obrigasse a fazer coisas horríveis?! Procurei tirar isso da cabeça e fui corajosamente verificar o que era, mas antes, peguei um taco de beisebol no carro, afinal de contas, não custava me prevenir.

Eu não conseguia enxergar quase nada à minha frente. Já estava um pouco afastado do grupo quando fui surpreendido por uma coisa que pulou por cima de mim. Caí para trás, com o coração na mão. Parecia uma garota, deu pra ver a sombra dos seios ou o que eu achava que fossem seios... O luar era a única luz que eu tinha, então apertei os olhos a fim de enxergar melhor. A pele dela era horrível, enrugada e os dentes estavam à mostra. Fiquei paralisado. A voz dela saiu da garganta como se fosse um gemido:

_ O que está olhando? Vá embora, antes que seja tarde demais! E leve seus amigos com você!

Eu não sabia o que pensar. Seria uma "pegadinha"? Não me surpreenderia se a rapaziada tivesse armado essa “pra” cima de mim, mas meu momento de hesitação me rendeu um grande arranhão no braço.

_ Ei! Isso dói! - reclamei.

_ Vai doer muito mais se não me escutar. Eu já disse, vá embora!

O sangue escorria do meu braço e uma dor leve começou a tomar conta dele. Achei melhor me afastar daquela maluca. Os amigos dela poderiam ser mais doidos do que ela, achei melhor não arriscar. Voltei o mais rápido que pude para junto do pessoal, mas não achei ninguém. A fogueira ainda estava acesa. Chamei um por um, ninguém respondeu. Um calafrio percorreu minha espinha quando comecei a correr, sem saber exatamente para onde. Parecia que eu estava perdendo o controle dos meus membros inferiores. Um gemido horrível cortou o silêncio daquela noite fria. Senti que algo muito ruim estava prestes a acontecer comigo. Meus pés se atrapalharam nas raízes de uma árvore velha, e eu caí. Olhei para cima e uma outra criatura estava pronta pra pular em cima de mim. Senti que nela tudo era escuro, e vazio. Segurei o bastão de beisebol com as duas mãos e preparei-me para lutar pela minha vida. A coisa pulou em cima de mim e eu não hesitei. Bati nela, não uma, mas várias vezes. Foi quando eu senti que algo em mim se desconectou. Perdi os sentidos. Se a morte era assim, sei lá, acho que não era tão ruim morrer então...não senti dor alguma, só me senti vazio. Aos poucos, fui recobrando a consciência. A única coisa que me lembro ao abrir os olhos foi ter visto a garota, ou o que eu achava ser uma garota, sob o luar. Assim que meus olhos caíram sobre ela, desapareceu. Me levantei com dificuldade, meu braço estava inchado e o corpo todo doía. Foi quando um som forte chamou minha atenção. Dois policiais com lanternas nas mãos abriam caminho no matagal, chamando meu nome.

_ Ei, garoto! Você está bem?

_ E-eu... eu não sei, acho que sim... - respondi meio tonto.

_ Não se mexa, nós iremos até você.

Rapidamente, o lugar foi tomado por tiras. As buscas começaram pelos meus amigos, mas nenhum deles foi encontrado. Os paramédicos cuidaram do meu braço e me aplicaram uma injeção, mas nem senti a picada. Senti náuseas, que pareciam brotar no mais profundo da minha alma. Não sei como os tiras foram parar naquele lugar. Me disseram que eles receberam uma ligação anônima dizendo que um grupo de jovens estava em perigo no meio do mato. Verifiquei meu bolso, o celular tinha desaparecido também. Acabei como principal suspeito pelo desaparecimento dos meus amigos, mas dentro de mim havia uma certeza: eu era inocente, sabia disso. Naquele mato havia algo, "coisas", alguém, mas eu não podia provar, então não falei nada, e nada eles tinham contra mim.

O tempo passou. Nunca mais vi meus amigos, nunca mais esqueci aquela noite.

Nunca mais voltei àquele lugar. Curiosamente, nunca mais dormi.


*


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Créditos da imagem:
Floresta Suspensa, por JL Cocco Gomes

2 comentários:

  1. Bem rico de emoção e suspense. Fiquei pensado que esta história poderia se alongar. Gosto desse tipo de mistério, meio realismo, meio fantasia. Muito bom! Abraços. Paz e bem.

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  2. Cacá, obrigada pelo comentário. Também pensei em uma continuação para o conto, vamos ver... um grande abraço para ti!

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