I Concurso Literário Benfazeja

O reencontro




Conto de Mariana Collares!

À minha mãe, Leni,
que inspirou este conto.

Nervosa, olhava para o espelho e dizia:

- Estou velha!

Contava as rugas, as expressões todas do rosto, virava de lado, se achava feia.

-Nada fica bem na velhice... – resmungava.

Eu a olhava, quieta.

- Trouxeste a maquiagem? – perguntou.

- Sim, mãe.

- E o secador de cabelos?

- Trouxe também.

Desde às sete horas estava acordada. Dormiu pouco e mexeu-se por toda a noite. O compromisso era ao meio-dia mas já estava em pé desde às oito.

- E qual bolsa eu levo?

Agora ela estava no closet olhando minhas bolsas. Nada ficaria bem , dizia... Era uma pizzaria, não precisava de nada muito fino, só algo casual para usar e que combinasse com a roupa nova que comprara.

- Mãe, essa está boa?

Não. Não gostou de nenhuma. Olhou por tudo, mexeu no armário, revirou do avesso. Só muito depois consegui convencê-la de que tal bolsa ficaria muito apropriada com o traje. Ela assentiu, meio nervosa, meio contrariada...

Olhou a roupa nova e me perguntou se eu gostara. Eu disse sim. Mostrou o sapato novo, eu disse que era bonito. Pôs nos pés, um depois o outro, e andou pela casa.

- Será que vai machucar??? E se eu não puder andar com ele?

- Não vai, mãe, não vais andar quase nada... Eu vou te levar de carro, lembra?

-Mas não posso andar por aí com um sapato que cai!

-Amanhã compraremos uma palmilha. Por hoje assim está bom.

Andou de um lado e outro. Praguejou contra o calçado. Olhou de novo o espelho, ficou muito séria.

- Preciso de uma plástica!

-Não, precisas de maquiagem – disse.

Eu a vesti. Sequei o seu cabelo e o ajeitei num penteado. Recusou dois pares de brincos que eu lhe trouxe – disse que não se reconhecia... Que estava descaracterizada.

Eu a olhava e pensava que o reencontro se tornara importante. Viera de longe só pra isso - pra ver as amigas de colégio, na comemoração dos quarenta anos de formatura.

Enquanto tentava acalmá-la, ia penteando seu cabelo. Ela colocou muitos defeitos no penteado e disse que eu cuidasse para não mostrar os cabelos brancos. Ajeitei tudo como queria e passamos à maquiagem.

Aos poucos a convenci de usar tudo o que trouxera: base, corretivo, perfumes, pó. Ela recusava sempre que me via retirar algo novo da frasqueira e eu tivera que convencê-la, a cada movimento meu, de que ficaria tudo muito natural.

- Não deixe muito marcado o rosto!

- Ok, mãe, vai ficar tudo certo...

Finalizei o trabalho e ela se olhou no espelho. Primeiro não gostou. Tentou tirar com a mão o lápis dos olhos e eu tive que deixar que ela se olhasse muito antes de dizer qualquer coisa:

-Ficou bem, mãe. Tu ficaste bonita.

- A pele ficou bem... Mas não pareço eu.

- Parece sim, só que com trinta anos menos.

Ela se conformou. Quase esboçou um sorriso. Olhou para o contexto no espelho, praguejou ainda um pouco mais, pegou a bolsa. Sentou-se.


Revisou os documentos, o endereço do restaurante, se havia dinheiro na carteira. Colocou dentro da bolsa uma caneta e papel, caso alguma amiga quisesse trocar endereço e telefone. Parou novamente e me olhou, séria.

Saímos.

Andou meia quadra até o carro. Pelo caminho, ela se irresignava contra o sapato. Parava a todo o instante para me dizer que o sapato caía. Entrou no carro e ficou imóvel. Tensa.

- Será que vamos saber onde é?

- O GPS sabe, não te preocupes.

- Será que vou reconhecer alguém?

- Acho que sim... Ninguém muda tanto, mesmo com o tempo.

Fomos.

Enquanto andávamos pelas ruas, ela olhava o relógio.

Ao nos aproximarmos do restaurante, ela divisou as amigas em frente.

De repete, ela bradou:

- Eu não conheço ninguém!!!

Eu a olhei calmamente.

- Ai que vergonha! – falou. – Não conheço mais ninguém! E se eu chorar?

- Se tu chorares é sinal que reconheceste alguém!

Parei o carro. Ela desceu.

Me olhou brevemente, como se quisesse dizer algo, mas se calou. Sorriu um pouco e saiu.

Foi até o pequeno grupo de quatro mulheres, parou em frente a cada uma e vi que disse a cada qual o nome.

Elas se abraçaram longamente. Riram muito, choraram. Umas fizeram festinha, outras suspiraram. Todas se reconheceram, afinal.

Ao sair com o carro ainda pude vê-las ao longe, sorrindo muito e se abraçando. O tempo voltara. Quarenta anos não passam tanto assim...

Não para quem tem saudades.



*

Créditos da imagem: Olhares.com
Red Shoe, por Natália Velosa

2 comentários:

  1. Que charme de conto! Simples, tocante, bonito. O diálogo entre mãe e filha é bem real. Desfecho gostoso.

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